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Também de esquerda

Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

Também de esquerda

Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

Pesadelo algébrico

 

Esta noite tive um pesadelo. Sonhei que ia dar uma aula sobre inequações. Simplesmente (e desgraçadamente) não sabia sequer (ignorância que se prolongou até há uns minutos) o que é uma inequação. A angústia era grande, sufocante. Como iria desenvencilhar-me perante uma turma expectante e atenta ao menor sinal de insegurança do professor, quando chegasse a altura de começar a exposição? Como iriam reagir os colegas a uma tão ostensiva manifestação de incompetência científica? Pior ainda: que diriam as pessoas, em geral, da escola e da classe docente, já tão mal vistas, sobretudo desde que Sócrates e Lurdes Rodrigues tanto se esforçaram por dar da primeira a ideia de um feudo dos privilegiados que integram a segunda?

 

Felizmente, para além da parte expositiva, a aula continha um segundo momento mais prático – tratava-se de pôr os alunos a modificar umas caixas bizarras, algo semelhante a assentos de cadeiras de palhinha. Se o objectivo pedagógico das inequações é inequívoco, já o trabalho de marcenaria numa aula de álgebra é mistério insondável. Porém, na circunstância onírica, as caixas entravam em cena como verdadeiro deus ex machina – enquanto eles se desincumbissem da tarefa, folgavam as minhas costas, maneira de dizer a minha angústia.

 

Devo ter acordado pouco depois, porque a angústia cessou. Pena foi ter ficado sem saber como tudo acabou – as caixas, a exposição sobre inequações e o mais que certo fiasco pedagógico. Outra coisa que me parece provável é que, sendo a linguagem dos sonhos tantas vezes metafórica, mais do que pesadelo, tive uma alegoria – a alegoria da função docente nos tempos que correm.