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Também de esquerda

Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

Também de esquerda

Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

O formal e o substantivo, ou os limites da justiça

 

Já por duas vezes aqui, em 25 de Novembro do ano passado e em 21 de Fevereiro deste ano, a propósito de escutas telefónicas e da putativa ingerência do primeiro-ministro na TVI, me pronunciei sobre as garantias legais que parecem forjadas para assegurarem a fuga dos poderosos à lei.

 

Agora, a propósito do caso WikiLeaks, ouvi a inenarrável Dr.ª Cândida Almeida, naquele seu habitual estilo de dona de casa na graça de Deus, garantir – e não duvido que com conhecimento de causa! – que os telegramas em que se denuncia a anuência do governo português quanto à escala, nas Lajes, de aviões americanos com prisioneiros destinados a Guántanamo só poderão dar origem a uma reabertura da investigação se tiverem sido obtidos legalmente. Caso contrário, o processo não tem pernas para andar – Dr.ª Cândida dixit.

 

Como é óbvio não duvido – quem sou eu?! – da competência técnico-jurídica da senhora. Como também não duvido de que há regras que se destinam a proteger a reserva de privacidade dos cidadãos, sejam eles quem forem, e que o seu desrespeito constitui um prejuízo sério para as suas vítimas e para o Estado de direito. Acontece que o que está em causa não é a necessidade de proteger a privacidade das comunicações entre cidadãos e – talvez maxime, porque de consequências incomparavelmente mais graves – entre representações diplomáticas e respectivos governos. Essa necessidade mantém-se, deve ser honrada, mas o facto é que há fugas de informação que, como aconteceu com a TVI e acontece agora com o Wikileaks, trazem ao conhecimento público factos graves, perante os quais os cidadãos legitimamente se questionam sobre a idoneidade daqueles a quem confiaram o governo do país. E, perante isto, que nos dizem as almeidas, os monteiros e os noronhas deste país? Que a legalidade não foi cumprida no acto de obtenção da prova. Ou seja, como eu presenciei o crime pelo buraco da fechadura, deixa-se ir o cidadão criminoso em paz e move-se-me um processo por devassa da privacidade do mesmo cidadão.

 

Este constrangimento a que a justiça se vê assim forçada e que lhe limita dramaticamente o alcance, longe de tranquilizar o cidadão comum quanto ao funcionamento da justiça e do regime, mais não faz do que arraigar a convicção de que vivemos num regime de arbitrariedade que garante a impunidade dos poderosos e trata os cidadãos comuns como títeres desmiolados.