A avaliar pela evolução dos acontecimentos, a NATO não vai precisar de intervir na Líbia. Não passa um dia sem que mais um diplomata se demita, denunciando as atrocidades do “ditador fascista”. Estes dignos embaixadores vão-se pondo assim a jeito para assumirem os lugares-chave do próximo regime, que será com alguma probabilidade muito consentâneo com os interesses do imperialismo.
Se espanta a volubilidade destes indivíduos, não nos esqueçamos de que são sempre os renegados os mais eloquentes denunciantes das ideias e das pessoas que antes apoiavam. Eles têm a árdua tarefa de convencer quem os ouve de que, desta vez sim, estão a ser sinceros.
A todos quantos não se contentam com a informação formatada dos media ditos de referência, aconselho vivamente a leitura do artigo “Líbia: o que os media escondem”, da autoria de Miguel Urbano Rodrigues, em http://odiario.info.
O banho de sangue que aparentemente se avizinha na Líbia de Khadafi poderia muito bem servir de pretexto aos EUA / NATO para invadirem o país. Teríamos mais uma vez o argumento humanitário a desempenhar a função para que foi concebido: servir os interesses geoestratégicos do imperialismo americano e dos seus aliados.
Mais uma vez também, como por acaso, há uma relação directa entre o país em causa e o petróleo. A intervenção humanitária garantiria um abastecimento regular dos países importadores, maioritariamente europeus, asseguraria a continuidade desses fornecimentos, inclusive para os EUA, e, subsidiariamente, inviabilizaria, de vez, um “êxodo bíblico” de africanos famintos (200 a 300 mil, segundo se diz) em direcção à fortaleza Europa. Por outro lado, obstar-se-ia à desestabilização total no Magreb e no Mashrek / Médio Oriente, com a previsível consequência da queda do quinquagésimo primeiro Estado americano, isto é, Israel.
Se, depois, a Líbia se tornar um novo Iraque, desta vez mesmo aqui à nossa porta, logo se verá. Sendo certo que os nossos governantes não deixarão de honrar os compromissos assumidos, no âmbito da Aliança defensiva, participando nas missões com homens e material.
Isto não passa de um cenário catastrofista. Mas já vimos outros, que se confirmaram.
N.B. Foram suprimidas várias aspas, por serem facilmente supríveis.
Texto recebido por email, na versão original francesa visitável nos sítios assinalados.
Por incrível que possa parecer, uma verdadeira revolução democrática e anticapitalista ocorre na Islândia neste preciso momento e ninguém fala dela, nenhum meio de comunicação dá a informação, quase não se vislumbrará um vestígio no Google: numa palavra, completo escamoteamento. Contudo, a natureza dos acontecimentos em curso na Islândia é espantosa: um Povo que corre com a direita do poder sitiando pacificamente o palácio presidencial, uma “esquerda” liberal de substituição igualmente dispensada de “responsabilidades” porque se propunha pôr em prática a mesma política que a direita, um referendo imposto pelo Povo para determinar se se devia reembolsar ou não os bancos capitalistas que, pela sua irresponsabilidade, mergulharam o país na crise, uma vitória de 93% que impôs o não reembolso dos bancos, uma nacionalização dos bancos e, cereja em cima do bolo deste processo a vários títulos “revolucionário”: a eleição de uma assembleia constituinte a 27 de Novembro de 2010, incumbida de redigir as novas leis fundamentais que traduzirão doravante a cólera popular contra o capitalismo e as aspirações do Povo por outra sociedade.
Quando retumba na Europa inteira a cólera dos Povos sufocados pelo garrote capitalista, a actualidade desvenda-nos outro possível, uma história em andamento susceptível de quebrar muitas certezas e sobretudo de dar às lutas que inflamam a Europa uma perspectiva: a reconquista democrática e popular do poder, ao serviço da população.
Desde Sábado 27 de Novembro, a Islândia dispõe de uma Assembleia constituinte composta por 25 simples cidadãos eleitos pelos seus pares. É seu objectivo reescrever inteiramente a constituição de 1944, tirando nomeadamente as lições da crise financeira que, em 2008, atingiu em cheio o país. Desde esta crise, de que está longe de se recompor, a Islândia conheceu um certo número de mudanças espectaculares, a começar pela nacionalização dos três principais bancos, seguida pela demissão do governo de direita sob a pressão popular. As eleições legislativas de 2009 levaram ao poder uma coligação de esquerda formada pela Aliança (agrupamento de partidos constituído por social-democratas, feministas e ex-comunistas) e pelo Movimento dos Verdes de esquerda. Foi uma estreia para a Islândia, bem como a nomeação de uma mulher, Johanna Sigurdardottir, para o lugar de Primeiro-ministro.
Révolution pacifique en Islande, black-out des Médias
Aussi incroyable que cela puisse paraître, une véritable révolution démocratique et anticapitaliste a lieu en Islande en ce moment même, et personne n'en parle, aucun média ne relaie l'information, vous n'en trouverez presque pas trace sur «Google »: bref, le black-out total. Pourtant, la nature des évènements en cours en Islande est sidérante : Un Peuple qui chasse la droite au pouvoir en assiégeant pacifiquement le palais présidentiel, une « gauche » libérale de remplacement elle aussi évincée des « responsabilités » parce qu'elle entendait mener la même politique que la droite, un référendum imposé par le Peuple pour déterminer s'il fallait rembourser ou pas les banques capitalistes qui ont plongé par leur irresponsabilité le pays dans la crise, une victoire à 93% imposant le non-remboursement des banques, une nationalisation des banques, et, point d'orgue de ce processus par bien des aspects «révolutionnaire » : l'élection d'une assemblée constituante le 27 novembre 2010,chargée d'écrire les nouvelles lois fondamentales qui traduiront dorénavant la colère populaire contre le capitalisme, et les aspirations du Peuple à une autre société.
Alors que gronde dans l'Europe entière la colère des Peuples pris à la gorge par le rouleau-compresseur capitaliste, l'actualité nous dévoile un autre possible, une histoire en marche susceptible de briser bien des certitudes, et surtout de donner aux luttes qui enflamment l'Europe une perspective : la reconquête démocratique et populaire du pouvoir, au service de la population. Plus bas, vous trouverez deux articles traitant de cette révolution en marche, *à faire circuler le plus largement possible, puisqu'on ne doit compter sur aucun média pour le faire à notre place*.
Depuis le samedi 27 novembre, l'Islande dispose d'une Assemblée constituante composée de 25 simples citoyens élus par leurs pairs. Son but : réécrire entièrement la constitution de 1944 en tirant notamment les leçons de la crise financière qui, en 2008, a frappé le pays de plein fouet. Depuis cette crise dont elle est loin d'être remise, l'Islande a connu un certain nombre de changements assez spectaculaires, à commencer par la nationalisation des trois principales banques, suivie de la démission du gouvernement de droite sous la pression populaire. Les Elections législatives de 2009 ont amené au pouvoir une coalition de gauche formée de l'Alliance (groupement de partis composé des sociaux-démocrates, de féministes et d'ex-communistes) et du Mouvement des Verts de gauche. C'était une première pour l'Islande, tout comme la nomination d'une femme, Johanna Sigurdardottir, au poste de Premier ministre.
À leitura do primeiro capítulo, o leitor desprevenido imagina-se a ler um romance convencional. O discurso é linear e transparente, não há efeitos especiais no domínio da pontuação, a disposição gráfica é a tradicional, o narrador comporta-se como uma câmara de vídeo que, no entanto, anuncia já a omnisciência na frase “Estas palavras do pai marcaram Lenz durante anos” (p.11), enfim o micro-episódio narrado enquadra-se perfeitamente nas temáticas banais de todo o pós-romantismo. À falta de informantes espaciais, os nomes das personagens (Lenz Buchmann, o protagonista, Julia Liegnitz, a secretária, Hamm Kestner, o chefe do Partido, etc.) permitem ao leitor situar a acção algures na Alemanha; a caracterização do protagonista (que bem poderia ter encarnado, alguns anos mais tarde, sob a identidade do Dr. Mengele), assim como as referências ao “Partido” (sempre maiusculado, mas sem qualificativo) e a um acto de sabotagem montado pelos seus dirigentes (“Lenz Buchamann e Hamm Kestner haviam falado já da hipótese de uma explosão no edifício do Teatro principal, meio talvez necessário para instalar o estado de tensão na cidade” (p. 245) indiciam, por outro lado, que a acção decorre entre as duas guerras mundiais, muito provavelmente no final dos anos trinta, logo numa sociedade já seriamente afectada pelos valores da força, da desigualdade, da supremacia racial e da intolerância.
O que ficou dito é uma súmula (paupérrima) das categorias da narrativa, que não permite inferir o desprazer com que a li. É que, à medida que o leitor vai avançando na leitura, apercebe-se de que, afinal, está perante um tratado sobre a educação e a formação (melhor dizendo, formatação) da mentalidade e da personalidade na sociedade nazi: “Lenz calça as botas e prepara-se para a caça. Primeiro o ritual de domínio sobre os pequenos objectos imóveis: as botas, a arma, o colete pesado.
“Aqueles movimentos eram os que melhor contribuíam para formar o ser humano. E que bom atirador ele era.
“Por seu turno, os elementos ágeis da natureza reivindicavam uma desobediência que não era tolerável.” (p. 13)
O estilo do autor é de tal modo despojado e parco na utilização de recursos estilísticos que a ficção mais parece um auxiliar didáctico destinado a facilitar a apreensão e compreensão de conceitos por eventuais estudantes de psicologia, de antropologia ou de sociologia. Enfim, esta aridez narrativa faz deste romance um exemplar algo rebarbativo de uma espécie de naturalismo serôdio, de neo-naturalismo póstumo.
Apesar dos elogios da crítica, não me sinto tentado a ler outros romances de Gonçalo M. Tavares.
“Eu amo Mubarak. Se ele passasse agora aqui, eu beijava o chão que ele pisasse. Mas, mesmo que ele tivesse cometido erros, que fazemos quando o nosso pai erra, ou nos decepciona? Pomo-lo fora de casa?” Era nestes termos que um egípcio pró-Mubarak exteriorizava o seu desgosto pela hostilidade que os egípcios anti-Mubarak manifestavam ruidosa e pacificamente na praça Tahrir, segundo relata Paulo Moura em reportagem publicada no Público do passado dia 3.
Estes desabafos, reveladores de um respeito acrítico pela figura tutelar do homem providencial, põem a nu, por um lado, o infantilismo político próprio de quem ainda não matou o pai, para usar a metáfora que, em psicanálise, remete para o processo de maturação da personalidade. Se o progressivo desvanecimento da imagem idealizada do pai é inseparável da entrada na idade adulta, este manifestante parece permanecer fiel, se não ao pai biológico da sua infância, a um pai de substituição, na ocorrência político.
Mas creio que esta veneração pela figura tutelar anda ainda associada a laivos de religiosidade. Conforme escrevi em 24 de Janeiro de 2010, “o poder e os poderosos infundem o medo, mesmo se esse medo é mais ou menos difuso e inconsciente, e actuam sobre os míseros humanos como um sortilégio – afinal, se os poderosos o são, se exercem o poder, se podem decidir dos nossos destinos, só pode ser porque são de alguma maneira superiores a quem não detém o poder. E essa superioridade há-de vir-lhes de algures ou de alguém – quem sabe se do próprio Deus. No fundo, no fundo, estamos bem próximos de Luís XVI e dos soberanos de direito divino – a Revolução não foi assim há tanto tempo…” Por outras palavras, se o poder político é uma decorrência do poder divino, vale mais usar com ele de respeitinho e não correr riscos desnecessários.
Ora este comportamento não é exclusivo do egípcio que o repórter encontrou na praça Tahrir. Entre nós, ainda há bem pouco tempo, pudemos assistir a reacções semelhantes, por ocasião da campanha eleitoral para as presidenciais. Tendo a comunicação social divulgado factos relativos ao património de Cavaco Silva – incómodos para o visado –, para além de múltiplas intervenções desculpabilizantes vindas do seu entourage político (o que é compreensível), pôde também assistir-se a reacções de veneração solidária por parte de eleitores desgostosos com a denúncia dos telhados de vidro do seu ídolo. Alguns alinhavam perfeitamente com o discurso crítico da situação que o país atravessa e até com a identificação dos seus responsáveis. Excepto no momento em que a figura tutelar do professor se perfilava como um deles. Aí chegados, alto lá e pára o baile: “coitado do Cavaquinho!” Ou não dissessem as Tábuas da Lei: “Não porás o paizinho fora de casa, nem descobrirás os podres da divindade.” Ámen.