“Meia-Noite em Paris” é um conto de fadas que nos revela um Woody Allen igual a si mesmo, isto é, genial. Owen Wilson tem, no papel de Gil Pender, um desempenho brilhante e, se descontarmos a juventude e uma compleição física mais atlética, dir-se-ia que Allen encontrou nele algo como um sósia, até nos tiques da elocução. Sósia, no domínio da aparência física, mas também, seguramente, um alter-ego, na medida em que não podemos deixar de ver na aventura vivida pelo jovem guionista e candidato a romancista a ávida demanda cultural que o realizador sempre protagonizou. Demanda que nos leva do Paris de 2010 ao dos anos 20 do século passado e ao encontro de Francis Scott e Zelda Fitzgerald, de Hemingway, de Cole Porter, de Pablo Picaso, de Luis Buñuel, de Gertrude Stein, de Salvador Dalí, num clima feérico e de efervescência cultural; depois, em nova viagem ao passado, até ao final do século XIX, à Belle Époque do french cancan e do impressionismo, onde Gil Pender se cruzará com Toulouse-Lautrec, Gauguin, Degas…
A cada encontro com estes vultos da literatura, da música, da pintura, do cinema, sempre o mesmo deslumbramento do protagonista. Sempre, também, a emoção partilhada pelo espectador. Porque, se Woody Allen leva a sua personagem ao encontro deles no passado, é só para os colocar a todos na nossa presença, no nosso presente, recordando-nos como estão vivos.
Um narrador autodiegético chamado Serapião (volto às maiúsculas nos nomes próprios porque não vejo vantagem no desrespeito da norma, a não ser que a infracção tenha valor simbólico, o que, salvo erro, não foi demonstrado), o seu pai Afonso, para quem “uma mulher é ser de pouca fala, como se quer, parideira e calada (…), ajeitada nos atributos, procriadora, cuidadosa com as crianças e calada para não estragar os filhos com os seus erros”, a sua mãe, que mal falava com os filhos “porque lhe saíam coisas de mulher boca fora, e barafustar, como fazia, era encher os ouvidos dos homens com ignorâncias perigosas” (21), a irmã Brunilde, que “tinha onze anos quando foi para a casa [dos senhores] ” (22), o irmão Aldegundes, “capaz de pintar sobre madeiras as mais reais aparições” (110), uma vaca chamada Sarga, que dá o nome a toda a família (“era uma vaca como animal doméstico, mais do que isso, era a sarga, nosso nome, velha e magra, como uma avó antiga que tivéssemos para deixar morrer com o tempo que deus lhe desse” (35), dom Afonso e dona Catarina, “velha de carnes, descaída e dada às maleitas” (24), Ermesinda, “a mais bela das raparigas que existiam” (28), Teresa Diaba, que “parecia uma cadela no cio, farejando, aninhada pelos cantos das árvores e dos muros, à espera de ser surpreendida por macho que a tivesse” (34), Teodolindo, amigo com quem Serapião aprendera muito sobre “essas coisas de capturar raparigas” (34), uma mulher queimada que conhece “segredos da natureza que se desaproveitam por ignorância” (146), el-rei e Dagoberto, “um homem mirrado de tanta falta de corpo que, mais constipação lhe desse, morte certa lhe viria” (168) – eis o naipe de personagens que interagem neste esplêndido romance de valter hugo mãe (vhm, com minúsculas, pois cada um é dono de seu nome), autêntico ensaio sobre a boçalidade humana, para adoptar a designação com que Saramago crismou o seu Ensaio sobre a Cegueira, com o qual, aliás, a narrativa de vhm mantém alguma afinidade temática.
Não é, contudo, nesta vertente temática que centrarei esta pequena reflexão sobre o romance que acabo de ler. A esse respeito, apenas direi que as citações de que me servi para uma breve caracterização das personagens dão só uma pálida imagem da rudeza que delas é apanágio (sobretudo das masculinas). A tal ponto que se tem, por vezes, vontade de acelerar a leitura, de chegar ao fim. Não apenas pela curiosidade do enredo que tantas vezes nos assalta na leitura da ficção, mas sobretudo porque apetece abandonar rapidamente tão execrável companhia. O romance de vhm é a ilustração mais eloquente da misoginia judaico-cristã na sua versão mais boçal, uma espécie de carta de guia de casados, mas em versão totalmente alvar. E, se for verdade – como julgo ser – que muitas vezes a realidade ultrapassa a ficção, há razões de sobra para se lamentar a sorte dos seres humanos, e sobretudo das mulheres, que povoaram o planeta nas eras volvidas para que remete a temporalidade diegética, com infelizes reminiscências em eras bem mais recentes, qual seja a nossa, a julgar pelos eventos que a violência doméstica teima em fazer tema de notícia.
Sem desvalorizar a semântica da acção e da personagem, o que equivaleria a desprezar a substância do conteúdo (Hjelmslev), deter-me-ei em dois ou três aspectos que reputo de igualmente relevantes no romance de vhm e faço-o com o arrojo próprio dos ignorantes, que se abalançam a enunciar observações e a tirar conclusões a partir de uma leitura corrida e de uma reflexão incipiente. Assumida a culpa e actualizado o topos da humildade com que se congraça o leitor, eis os aspectos em questão:
1. A linguagem
Diz um texto impresso na contracapa do livro: “Um romance que é também uma aventura da linguagem, ficcionando um português antigo que, não o sendo de facto, cria a ilusão de estarmos ao tempo de uma idade média tardia (…)”.
A linguagem de vhm neste romance é, de facto, sujeita a um processo de distorção que lhe confere uma feição de sociolecto a um tempo arcaizante e popularizante, quer no léxico, quer no agenciamento sintáctico. Apreciem-se, por exemplo, estes excertos, em que destaco a negrito as expressões que me parecem afastar-se da nossa norma:
“era eu, por sorte ali distinguido, um moço como outro qualquer, mas dos sargas, sem estropios do corpo nem maleitas de cabeça, escorreito nos trabalhos e incumbências, ao serviço de um grande senhor, protegido assim por deferência divina, como garantido no tempo que me restasse de vida, e assim ela se teria, guardada em asa de grande senhor, para cumprir vezes de mulher pobre mas digna de carnes e direcção.” (29)
“(…) esperei pela voz dela que veio no momento em que fui levado a sua casa a pedir-lhe a mão. sem condição nem honrarias que me levassem ali refinado ou melhorado, o que faria senão deixar que o meu amor se notasse, há tanto fulgurado para o interior de mim e intenso para sair à brancura do seu ser. e lho disse assim, depender de mim será só digna sua pessoa, posta sobre meus braços como anjo que o céu me empresta, e deus terá sobre nós um gosto de ver e ouvir que inventará beleza a partir de nós para retribuir aos outros. casai comigo formosa, tanto quanto meus olhos algum dia poderiam ver.” (49)
A nível sintáctico, esta toada discursiva insinua-se como eco de narrativas dos séculos XV e XVI – e penso exactamente em Fernão Lopes (ainda que sem as marcas de oralidade coloquial e de visualismo) e em Bernardim Ribeiro (sem o planger da saudade), de cujas obras transcrevo os seguintes passos:
“Porque se o dom da formosura, de todos muito preçado, fez a algumas ganhar perpetual nome, deste houve ela [Leonor Teles] tão gram parte, acompanhado de prazível graça, que aquela que o mais desejar pudesse seria assaz de contenta do que a natureza a ela proveu.”Fernão Lopes, Crónica de El-Rei D. João I, de Boa Memória.
“Arima que ia então tão formosa como o ela era, e para o que ela não cuidava, dizendo escassamente um sim, alevantou como de boamente a estas palavras a vista contra Avalor, à maneira de acrescentando o desejo ao pedido, que muitas vezes ouvira já falar dele.” Bernardim Ribeiro, Menina e Moça.
No domínio da morfologia, assinale-se o recurso à formação de neologismos por prefixação (desmedar, desvoados,…) e por sufixação (enganamento, p. 202), procedimentos que lembram, por vezes, a escrita de Mia Couto, e as construções estranhamente passivas (“e por isso estava mandada a chamar o nosso aldegundes”, p. 212).
2. As relações com a picaresca
O romance picaresco, que floresceu no século XVI, particularmente com o Lazarillo de Tormes e o Guzmán de Alfarache, teve múltiplos afloramentos em narrativas posteriores de diversas literaturas. Sem pretender filiar o livro de vhm no género que celebrizou Mateo Alemán, chamo a atenção para os seguintes pontos de contacto:
a) Forma autobiográfica, “por si só factor de realismo” (Marcel Bataillon, in “Introduction” ao Lazarillo, Aubier-Flammarion, Paris, 1968);
b) Vagabundagem do protagonista (que, no entanto, contrariamente ao pícaro, não é criado de muitos amos, mas só de um);
c) “Visão estreita e particular com que o pícaro enfoca a vida” (Samuel Gili y Gaya, in “Introduccíón” ao Guzmán de Alfarache, Espasa-Calpe, Madrid, 1968);
d) “Visão da sociedade (…) fragmentária e deliberadamente limitada” (idem).
Se nestes aspectos a proximidade parece evidente, já a psicologia do protagonista é refractária ao espartilho do “espírito sarcástico, duro, feito só de desenganos e de negações que caracteriza o romance picaresco peninsular” (prefácio de António José Saraiva à Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 1961). No romance de vhm, Baltazar, a contracorrente de uma boçalidade assumida, que se dá boa consciência, travestida de sabedoria resultante da experiência e da “deferência divina”, é capaz de sentimentos que contrariam a definição do anti-herói pícaro:
“abracei meu amigo dagoberto e apontei-lhe a ermesinda como glória imensa que me tivesse saltado do coração e ele sorriu sem queixa ou suspeita perante o aspecto dela. orgulhei o peito, inchei-me de felicidade e vi bem a minha doce amada, agora tão longe e protegida de homem ou mulher que lhe desviasse corpo de meus afazeres apaixonados (…) quase senti remorsos pela firmeza da minha bondade.” (250)
Aliás, o discurso de Baltazar atinge por vezes um grau de elaboração e de requinte tal (entendam-se estas qualidades num quadro de inversão de valores) que faz periclitar a verosimilhança da personagem, como acontece nestes passos, onde chegam a aflorar sinais de platonismo:
“(…) na cabeça das mulheres muita coisa se incompleta de raciocínio, como se a sua inteligência fosse apenas uma reminiscência da inteligência verdadeira, assim como se lembrassem de algum dia terem sabido o que isso é, mas sem o saberem realmente.” (110)
“e ali ficava, um anjo nu e perfeito como, dizia, poderia ser o retrato da alma, o retrato de dentro.” (122)
3. O realismo mágico
A partir do aparecimento da mulher queimada, e sobretudo quando Baltazar e Aldegundes encetam a sua caminhada de regresso, na companhia de Dagoberto, o romance envereda por um rumo ficcional que tem alguma relação com o realismo mágico. Com efeito, as três personagens são alvo de uma feitiçaria que as condena a terem de permanecer juntas todo o tempo, sem o que tudo à sua volta se estiola:
“e o dagoberto apontou, de verdadeiro o que acontece é que seremos os três como um, a mexer em cada coisa sem distância dos outros, diferente disso o que houver por perto vira pernas para o ar ou cara para cu esturricando de calor.” (183)
Ora este dado parece-me configurar aquilo a que Selma Calazans chama “um tipo de discurso narrativo em que [realismo e magia, ou maravilhoso] se misturam sem solução de continuidade e sem criar tensão (como acontece no género vizinho, o fantástico).” (Dicionário Electrónico de Termos Literários, www.edtl.com.pt). O que, a confirmar-se a pertinência da minha observação, colocaria vhm no lote de escritores pós-modernistas [entre os quais Saramago] que, num contexto histórico totalmente diverso daquele em que floresceu o realismo mágico latino-americano, “ usam as possibilidades de transgressão que o realismo mágico abriu para a ficção e o fazem bem, porém dentro de um novo esquema de pensamento. Pois o realismo mágico mesmo surgiu numa época extremamente utópica (e em nada pós-moderna) e traz no discurso as suas marcas.” (ibidem)
Por isso, o primeiro-ministro alertou já para as consequências que não deixarão de sofrer aqueles que ousarem “incendiar as ruas”. É útil criar a ideia de que os tumultos vão surgir e de que serão exemplarmente reprimidos. Em caso de necessidade, o regime pode até levar alguns a provocá-los, à maneira de Lenz Buchamann e Hamm Kestner, chefe do Partido, que, em Aprender a Rezar na Era da Técnica, de Gonçalo M. Tavares (1), promovem “uma explosão no edifício do Teatro principal, meio talvez necessário para instalar o estado de tensão na cidade”. Quem não concordará com a repressão de tumultos? E, já agora, na eventualidade de uma situação potencialmente tumultuosa, como seria o caso de um povo espoliado de todos os direitos arduamente conquistados, quem discordaria de uma suspensão das liberdades e garantias individuais, a bem da democracia? Por outras palavras, pese embora o absurdo do enunciado, quem não concordaria com a instauração de uma ditadura, se estivessem em causa os superiores interesses da democracia?
A ditadura da burguesia assume a forma democrática parlamentar (aquela que temos conhecido, nomeadamente desde a aprovação da Constituição, em 1976), enquanto a contestação das suas políticas antipopulares se mantém dentro dos estritos limites do respeito pelo direito à propriedade (seu valor supremo), ao trabalho (de todos os seus serventuários, incluindo os que o são inconscientemente, por falta de consciência de classe) e à mobilidade. Quando, perante um agravamento brutal das condições de vida do povo, a contestação irrompe com uma pujança susceptível de pôr em risco a manutenção do status, isto é, a sua dominação de classe, e em função do grau calculado de risco, a burguesia não hesita em pôr de lado a sua fachada democrática, assumindo a forma de ditadura terrorista – o fascismo que conhecemos durante quarenta e oito anos.
É com estes pressupostos que encaro as advertências de Pedro Passos Coelho e as repetidas referências na comunicação social à eventualidade da ocorrência de tumultos nas ruas das nossas cidades. Ciente do carácter profundamente injusto e da natureza de classe das suas políticas, a burguesia sabe que o clamor popular pode atingir proporções dificilmente controláveis e põe de sobreaviso os contestatários potenciais.
Neste contexto, o papel dos media é crucial. Repetindo vezes sem conta o discurso justificativo da austeridade, com o leitmotiv de que temos vivido acima das nossas possibilidades (2); instilando a ideia de que não há alternativa ao sistema em que vivemos e de que os sacrifícios são inevitáveis e atingem todos; criando a ilusão (se considerarmos os efeitos recessivos das políticas implementadas) de uma recuperação económica a prazo, eles comportam-se como missionários laicos, responsáveis por uma doutrinação persistente da religião do capital.
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(1) p. 245, cf. meu post de 10/02/2011
(2) A comunicação social tem noticiado hoje que o Presidente do Conselho de Administração do Hospital do Barlavento Algarvio recebe anualmente 745 000 €, ou seja, em média, 62 000 € (12 400 contos) por mês. 745 000 € são apenas 106 anos de salário mínimo nacional, à razão de 14 salários por ano e arredondando o SMN para 500 €… Um caso a somar a todos aqueles que fomos conhecendo nos últimos anos (PT, EDP, banca,…)
Quando já se falava da crise do subprime, da bolha imobiliária, da falência do Lehmon Brothers e de outros que tais primores do sistema, ainda as perorações dos senhores Ulrichs, Belmiros e quejandos nos soavam a catilinárias extemporâneas num pequeno país que, graças à sua insignificância económica, lograria passar incólume entre os pingos de chuva da derrocada financeira. O próprio Sócrates e o seu inefável Manuel Pinho, que a cena dos corninhos celebrizou, se encarregaram de nos administrar uma terapêutica dose diária de anestésico optimismo em que o vulgo encontrava motivação q.b. para o gozo do ócio domingueiro nas praias da Costa, assim desencadeando a conhecida excomunhão do Engenheiro Belmiro, pouco propenso a aceitar descanso tão deletério a quem mais não devia fazer do que contribuir sete dias por semana para o indispensável incremento da produtividade pátria.
Porém, muitos meses se passaram e foi aumentando o número dos seguidores das ulrichianas e azevêdicas lições. Os comentadores, analistas e simples jornalistas de serviço ao regime esfalfaram-se na árdua tarefa de demonstrar à sociedade e à saciedade que os sacrifícios eram para todos – do Amorim das cortiças ao Zé Jaquim das linguiças – e que havia que aceitar reduções de salários, aumentos de impostos e perda de direitos como condição incontornável do equilíbrio das contas públicas, da recuperação da confiança dos mercados e da consequente entrada no céu. A máquina ideológica da plutocracia burguesa funcionou a todo o gás, condicionando o infeliz consumidor do discurso dos media para a aceitação acrítica e resignada de todas as infâmias. O dogma da inevitabilidade entrou no nosso quotidiano como faca afiada em unto e predispôs-nos para o altar sacrificial. Pode agora o governo impor o mais iníquo orçamento de sempre que os media, atentos e venerandos quanto convém, não deixarão de perfilhar o adjectivo “difícil” para o qualificar. Assim agraciam o poder, reconhecendo-lhe esforço abnegado na feitura de tão difícil documento. Perante tão ingentes dificuldades e atinentes sacrifícios do poder, que mais restará ao cidadão comum senão render-se? “E pur…” – e, no entanto, há quem resista. (Continua)
Porque se lê uma tese de mestrado em literatura, quando já não se lecciona, quando não se tem uma actividade profissional que possa lucrar com a informação aí recolhida, quando não se é crítico literário, quando não se estuda literatura (no sentido académico, activo, de construção de um saber sistemático), nem sequer se tem uma especial predilecção pelo tema dessa tese (o romance de internato)? O Outono tem destas coisas boas: liberta-nos das solicitações e emboscadas da vida (demasiado) activa, permitindo-nos finalmente ler tudo o que nos apetece, sem limitações de tempo, e sem submissão ao pragmatismo. Li, assim, Adolescer em Clausura (Universidade do Algarve & Centro de Estudos Aquilino Ribeiro, 1998), com treze anos de atraso relativamente à sua publicação e quando a autora publicou já nova tese, agora de doutoramento (A Militância Melancólica ou a Figura de Autor em José Gomes Ferreira, Fundação Calouste Gulbenkian, Março de 2010), não por qualquer espécie de interesse utilitário, mas por ser a tese de mestrado de uma amiga. E que retirei deste aparente gesto de cortesia ou exercício de gratidão adiado? O triplo prazer de passear através dos romances Uma Luz ao Longe, de Aquilino Ribeiro, Uma Gota de Sangue, de José Régio e Manhã Submersa, de Vergílio Ferreira, levado pela mão de quem os conhece bem, de estender esse passeio a regiões adjacentes da história da literatura nacional e universal, e, finalmente, de apreciar o rigor vocabular, a profundidade e perspicácia da análise e a utilização sistemática e pertinente de conceitos e operadores da teoria da literatura e da semiótica, num outro passeio de descoberta e redescoberta dos fios invisíveis a olho nu e das delicadas tramas sobre os quais se edifica a obra literária. É que, não sendo a dissertação um romance, também ela pode proporcionar a emoção de uma narrativa que se apropria de diegeses outras e com elas institui/actualiza um universo paralelo em que personagens recolhidas em mundos diversos acabam por dialogar numa instância superior, libertas dos constrangimentos do romanesco e reconduzidas para outro destino – o da sua descodificação.