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Também de esquerda

Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

Também de esquerda

Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

A HISTERIA BELICISTA CONTRA A SÍRIA

ESTE TEXTO É DO SITE http://resistir.info

 

Em 2003 o imperialismo promoveu uma campanha histérica acerca de supostas armas de destruição maciça possuídas pelo Iraque. Como se viu, aquela mentira flagrante, cínica e deliberada do governo dos EUA destinou-se a justificar a invasão e ocupação daquele país. Hoje, mais uma vez, o imperialismo encena uma campanha mundial acerca de supostas "armas químicas" que teriam sido utilizadas pelas Forças Armadas sírias. Obama não apresentou uma única prova que corroborasse tal afirmação, mas a campanha prossegue. Destina-se a preparar a opinião pública para uma eventual agressão directa contra a República Síria à semelhança daquela desencadeada contra a Líbia. Diz-se a agressão directa porque a indirecta começou há vários anos com o armamento, treino e incentivo a bandos terroristas, os quais estão a ser derrotados pela Forças Armadas sírias. Tal como em 2003, os cães amestrados de Londres, Paris e Ancara ladram furiosamente a atiçar.
Por outro lado, a crise financeira capitalista intensifica-se. O seu sistema bancário está em ruínas, tanto nos EUA como na Europa. Os monstruosos resgates governamentais com o dinheiro dos contribuintes e com emissões monetárias (bail-outs) fracassaram, tendo desaparecido no buraco negro da banca – agora já planeiam resgates internos (bail-ins) com o dinheiro dos depositantes. O que tem isto a ver com uma eventual agressão à Síria? Muito. Historicamente o imperialismo sempre procurou na guerra a saída para as suas crises.

A comunicação do poder com a plebe

Há perto de um ano, no post que intitulei “Falhas de comunicação e revisionismo histórico”, ironizava eu sobre a moda (que persiste), na comunicação social, de se assacar às deficiências de comunicação do poder o descontentamento popular. E o poder até parece ter concordado com essas críticas (sempre construtivas, de resto) dos comentadores, ou não tivesse posto o escriturário Lomba a perorar para a plebe ignara, em briefings-de-trazer-por-casa. Em suma, seria como se o povo roubado só se queixasse por não ter sido devidamente elucidado quanto à bondade do roubo, quando estes serventuários do capital financeiro – Coelho, Portas e toda a sua coorte de apaniguados – o espoliam. Ora, uma vez que o roubo, furto ou latrocínio – chame-se-lhe “poupança”, “medida de contenção” ou outra léria qualquer – mantém a sua natureza de extorsão, forçoso é admitir que aquilo que os comentadores políticos de serviço e a imprensa dita “de referência” lamentam, compungidos, é a inépcia na “arte” da mistificação. É como se o Marcelo, esse crente tão temente a Deus e confiante na vida eterna (e que um dia destes nos sai na rifa da sucessão presidentícia), assumisse, por uma vez, sem hipocrisia, o cinismo próprio da burguesia exploradora e arengasse os seus amigos do poder:

- Vede como faz a Igreja, as Igrejas! Aprendei a ser, se não um ópio tão eficaz como a religião, pelo menos um sucedâneo da erva. E vereis quão cordos e pacíficos eles quedarão, confiantes no Céu e na retoma.

Porém, é aqui que eu tenho alguma dificuldade em acompanhar os cavalheiros. É que, contrariamente a eles, acho que a homilia do poder é mesmo convincente e tão eficaz como a de qualquer sacerdote. Só assim se entende que, apesar das manifestações de descontentamento de muitos milhares, persista uma maioria silenciosa que acata sem (quase) tugir nem mugir as malfeitorias que lhe são infligidas, e que se dispõe sistematicamente, sufrágio após sufrágio, a dar de bandeja o poder àqueles que lhe espetaram as bandarilhas na véspera. Ou na antevéspera, como manda a alternância democrática.

No Pó e na Bruma

 

No Pó e na Bruma são vinte e nove narrativas breves (a mais curta não chega a quatrocentas palavras e a mais extensa pouco passa das duas mil), repartidas por três secções e oscilando entre o registo realista e uma construção afim do alegórico.

 

Na primeira secção, “Quase Gente”, as temáticas dos seis contos remetem para um universo infanto-juvenil ou susceptível de ser percepcionado como tal; na segunda, “Banal quotidiano”, os dezoito contos versam situações e comportamentos diversos do dia-a-dia, sendo que o narrador sobre eles lança um olhar irónico ou sinceramente compungido, mas geralmente benigno; finalmente, “Por outros caminhos” comporta cinco contos cujas personagens escapam aos cânones da construção realista para cumprirem um destino fantasioso num universo onírico.

 

Encontra-se à venda nas seguintes livrarias:

 

Livraria Les Enfants Terribles

Rua Bulhão Pato, n.º 1

1700-081 Lisboa

 

Livraria Nun’Álvares

Rua 5 de Outubro, n.º 59

7300-133 Portalegre

 

Livraria Papelaria 115

Praça 8 de Maio, n.º 29

3000-300 Coimbra

 

Livraria Branco

Rua Dr. Roque Silveira, n.º 95

5000-630 Vila Real

 

Livraria Caminho

Rua Pedro Santarém, n.º 41

2000-223 Santarém

 

Representações Online

Praça do Comércio, n.º 108

4720-337 Ferreiros AMR

 

Livraria BrincoLivro

Rua Alexandre Herculano, 301

3510 ? 038 Viseu

 

Livraria Universo

Rua do Concelho, n.º 13

2900-331 Setúbal

  

Livraria de José Alves

Rua da Fábrica, n.º 74

4050-246 Porto

 

Livraria Esperança

Rua dos Ferreiros, 119

9000-082 Funchal

 

Nazareth e Filho

Praça do Giraldo, 46

7000-406 Évora

 

Livraria Graça

Rua da Junqueira, n.º 46

4490-519 Póvoa do Varzim

 

Aliete S Clara Brito

Avenida 25 de Abril, lote 24 R/C

8500-511 Portimão

 

 

Livraria Caravana Unipessoal, Lda

Rua José Costa Guerreiro, 

Edf. Viaparque  B/B   R/C 

8100-596 Loulé 

 

 

Está ainda disponível online no site da Chiado Editora, na wook, na bertrand Online e no Sítio do Livro.

 

Finalmente, há alguns exemplares para oferta. Se o quer ler e não o pode comprar, peça-me um.

Em busca da bolinha perdida

 

 

Em busca da bolinha perdida é um conto que, inspirando-se na relação de afecto existente entre três crianças de tenra idade e uma cadela, projecta essa relação num conjunto muito mais vasto de animais, que constituem a fauna característica do nosso país, salvo raras excepções, e transporta a acção dos cenários verosímeis da paisagem nacional para a dimensão encantatória de um mundo paralelo, onde – pelo recurso sistemático à personificação – coelhos, formigas, cigarras, melros, charnecos, pardais, perdizes, mochos, burros, macacos, pombos, texugos e gaivotas se comportam como seres humanos, quando não sobre-humanos. Ao longo de seis capítulos, sucedem-se episódios e micro-episódios, que propiciam referências culturais variadas: a pintura impressionista, a fábula da cigarra e da formiga, a teoria heliocêntrica e os dissabores de Galileu, a caverna de Platão e os grandes mitos da Antiguidade Clássica.

 

Não houve, da parte do autor, a preocupação de adequar sempre quer o vocabulário, quer os conteúdos temáticos ao nível etário do público-alvo. Com efeito, para a criança de três, quatro ou cinco anos pode o adulto que ler este conto proceder à substituição prévia ou à explicação dos vocábulos e dos passos que se revelem mais opacos, sempre que isso não é feito no corpo do conto. Esse trabalho de descodificação corresponde, para a criança, ao trabalho de tradução a que procede o leitor adulto colocado perante um texto redigido em língua estrangeira da qual tem um conhecimento muito imperfeito. Porventura, a descodificação de uma frase aqui, outra além, permitir-lhe-á captar o sentido global do texto, sendo que todas as minudências expressivas lhe passarão ao lado, nomeadamente os aspectos relacionados com a utensilagem estilística. Porém, a revisitação do texto em momentos posteriores da vida desse leitor, correspondentes a etapas sucessivas de aquisição de uma competência linguística crescente, permitir-lhe-á afinar progressivamente a sua leitura inicial, acabando, eventualmente, por aceder à fruição total da riqueza expressiva do texto.

 

Por sua vez, retomando a criança, mais tarde, a leitura do conto, já de posse dos instrumentos da escrita e da leitura, decerto aprofundará o seu entendimento da história. E como a leitura é um processo dinâmico e motivador, é provável que as referências culturais inadequadas para as idades do público-alvo deste conto se revelem coadjuvantes de aquisições mais tardias, a saber, próprias do 3.º ciclo do ensino básico e do secundário.

 

Pode encontrar este ebook aqui:

 http://www.leyaonline.com/pt/pesquisa/pesquisa.php?chave=Em+busca+da+bolinha+perdida

 

 

PORTA SIM PORTA NÃO, de Julieta Lima

 ASSIM SE FAZ LITERATURA

 

Entra-se em PORTA SIM PORTA NÃO, de Julieta Lima, não por uma porta, mas pela roda – a roda dos filhos entregues ao destino do acaso. “Filho de pais incógnitos, ouviste? Incógnitos!” O tom está dado. O tom e o mote para setenta e cinco páginas que nos hão-de franquear a entrada num mundo de deserdados, a começar por este Sr. Venâncio, que, moribundo, revê numa cavalgada delirante todo o percurso da vida.

 

A sugestão do Vitorino Nemésio de Quatro Prisões Debaixo de Armas não tarda. Mas como evitar a lembrança de Raul Brandão e do Redol de Avieiros, por exemplo, quando, logo a seguir, vemos, nas fainas do mar, pescadores em luta pela sobrevivência, sua e das suas famílias, mulheres que se esgotam nas lidas do dia-a-dia, homens e mulheres tão autênticos nas suas grandezas e misérias que quase custa a crer que sejam só de papel?

 

Assim é o Salva-Moços (Salva-Moces, no peculiar dizer olhanense), filho do infortúnio, dotado da virtude rara da abnegação votada à sorte do seu semelhante, que vinga o assassínio do pai por três agentes da Pide, dando-lhes merecido repouso no leito da ria. Mais tarde, noutra referência à conjuntura política que era a nossa de então, o Salva-Moços perderá a mão direita na guerra colonial, designada do Ultramar pela propaganda do regime. Pide, repressão, guerra colonial, eis referências históricas que não podem passar despercebidas e que são retomadas, logo a seguir, através da personagem de Zé Bechôco e de uma corporação, a GNR, cujas malfeitorias no tempo da ditadura fascista são bem conhecidas de todos.

 

Desde miúdo avesso ao esforço, este Bechôco ingressa na “Guarda” para fugir aos embaraços do trabalho. Ainda assim, só o consegue graças a fraude que lhe permite suprir carências insanáveis no domínio da escrita. Investido de “autoridade”, usa de tal brutalidade com as gentes da Vila que acaba por ser, ele mesmo, desancado com tanta violência que perde o ouvido e é obrigado a deixar a corporação.

 

Em “Mariana”, a narradora, depois de apelidar ironicamente de “heróis da guerra do ultramar” os dois filhos mais velhos da personagem que dá o nome ao conto, um dos quais pedófilo, acusa-os de terem impunemente matado e violado por terras de Angola, numa guerra dita “de merda”, que leva o Chico Toureiro do conto do mesmo nome aos vinte e um anos.

 

Na sintagmática destes contos e na linearidade de uma primeira leitura, referencial, os actos cometidos pelas diferentes personagens instituem-se como acção individual. Contudo, a natureza paradigmática e simbólica que a narrativa ficcional aspira a ter na sua relação com o real implica que os factos assim atribuídos a personagens individuais constituem, de facto, um libelo acusatório da violência repressiva usada pelas forças policiais e da acção colonial no seu todo, na exacta medida em que Zé Bechôco, mais do que soldado da “Guarda” é a própria “Guarda” e os “heróis da guerra do ultramar”, mais do que dois criminosos à solta, são o próprio exército colonial.

 

Mas, paralelamente a este conjunto de referências a um contexto político preciso, há, em Porta sim, porta não, um outro acervo de referências cuja natureza política é igualmente incontornável e que se prende agora com as condições de vida das gentes de Olhão – pescadores ou não. Assim, em “Jaime Bento”, discute-se a assistência na doença: Jaime Bento sobreviverá “— Se lhe derem um rim… mas quem? Só em Lisboa, a poder de muito dinheiro.” “— País de malandres! Só há saúde p’rós riques! Os pobres que trabalhem e morram aí esgrimades. Eles querem lá saber…” Uma farpa de Dona Libânia, em “Chico Toureiro”, atinge a sociedade onde aqueles que proporcionam o alimento aos outros nem sempre dele dispõem para si mesmos: “— Fome de merda! Andar um homem à pesca do comer para os outros, com a barriga vazia…” E, como que recapitulando todas as chagas que apoquentam este pequeno universo, o desemprego, a fome, o alcoolismo, a violência doméstica, a pedofilia, o recurso à prostituição como última hipótese de sobrevivência e a implícita condenação de uma ordem social injusta irrompem com força em “O Asilo”.

 

Inventariadas as ocorrências da temática política, voltemo-nos para a religião, tema que surge com alguma insistência ao desfolhar do volume. Assim, quando Zé Bechôco, no conto do mesmo nome, bafejado pela sorte, regressa endinheirado, Zé Cavalo, “mais ateu do que um burro”, não desperdiça a oportunidade de azucrinar o Padre Recrino com a atribuição irónica do enriquecimento a milagre. Isto porque, di-lo Zé Cavalo já sem ironia, “o seu Deus é grande mas ao pé do Diabo que escravelhou isto tudo… é uma porra dum anão”. Em “Jaime Bento”, o anticlericalismo está presente, através da personagem Jôquim da Arreganhuda, “que nem podia ouvir falar em padres”, mas é em “Cabana” que reencontramos o discurso crítico das crenças religiosas e das superstições. É assim que a narradora, criança, estranha a parcimónia com que Deus faz uso do perdão, quando ela própria “tinha perdoado a Xenana quando ela [lhe comera] os pássaros…”, e a sua avó Helena profliga resolutamente as “asneiradas” com que enchem a cabeça das crianças. No fim do conto, descoberta a símplice humanidade da personagem que motivava os medos, o desabafo da narradora erige-se, qual manifesto anti-obscurantismo, em fórmulas belas e concisas: “Saí. Encontrei-me por fim com a beleza da noite, liberta da escuridão amarga que me atravancava a alma de monstros e de sombras.” Afinal o Homem da Cabana não era do Além, era mais um hóspede na solidão deste Aqui. Por isso a minha avó não tinha medo.”

 

Se anticlericalismo e ateísmo afloram nestes contos, a religiosidade entranhada da gente do povo, e em particular das comunidades piscatórias, também está presente. É o que acontece no conto “Ruço”, com a invocação de Santa Bárbara, por ocasião de forte tormenta.

 

Outra temática significativa é a do respeito pelos animais, sendo que, por vezes, são eles quem propicia a exteriorização dos sentimentos mais nobres dos homens. Assim acontece em “Dona Bibas”, que, tendo a particularidade de ter uma cadela, “Formiga”, como narradora, é um dos contos em que mais emotivamente sobressai a humanidade dos homens do mar, que param as máquinas e fundeiam o barco para ajudarem ao parto da cadela: “Os rostos estropiados de sol e vento suavizaram-se em traços de criança. Tanta ternura, quanta, nem os humanos sabem que a possuem.” E é seguramente aquele em que um animal mais poeticamente se despede da vida, num último suspiro panteísta: “Já não ouço nada. O mar ao largo do Farol leva-me de volta ao outro lado, lá onde o vento e as gaivotas pastorejam as almas de todos os cães de água.”

 

Em “O Chico Toureiro” o olhar da narradora compadece-se com a má sorte dos animais, vítimas daqueles cuja racionalidade os não põe ao abrigo de instintos primários. É com ironia que a narradora investe contra este toureiro gabarolas, que, “Antes das célebres largadas, levava horas afiando a navalha porque um dos seus grandes gozos era vê-los [os touros] enfurecidos com dores, à marrada com a estupidez humana que, como se sabe, é invisível.”

 

Mas o mesmo olhar implacável para com a malvadez de alguns homens (ou dos homens em algumas circunstâncias da vida) faz-se benigno quando, abandonada a jactância que o caracterizava, o prevaricador parece arrependido. Mestre Isolino aconselha então paternalmente o jovem toureiro escarmentado: “— (…) Pensa na tua vida, filho, se é correcto ganhares a vida fazendes pouco de um animal que se encandeia com o encarnade? Um animal de Deus que sofre e dêta lágrimas como a gente?!” Aliás, em Mestre Isolino, esta compaixão para com o sofrimento dos animais vai de par com um profundo conhecimento da natureza dos homens: “— Não digas nada, filho! Um homem nasce, vive e morre assovacade no mede. O resto é fingimente… Ou pensas quê cá não me encolhe todo quando vejo as águas marafadas direito a mim?”

 

Em “Mariana”, sobreleva a compaixão da narradora pela velha senhora votada ao abandono por filhos e netos e em “A Boda”, mesmo se Rita frustra os planos da mãe, Dona Aldinha, de a casar em grande estadão, nem por isso a descoberta da sua gravidez originará um drama familiar. Com efeito, é sempre um olhar terno que a instância narradora derrama sobre as suas personagens em sofrimento, solidarizando-se com elas.

 

Do ponto de vista da expressão, Julieta Lima revela notável mestria, para começar, no manuseio do sociolecto olhanense (que falta faz um glossário!). Contrariamente ao que por vezes acontece, o falar típico de Olhão não é aqui macaqueado com intenção anedótica, nem sequer como adorno ou ingrediente linguístico para consecução da cor local. Não. A imbricação entre linguajar, cenários naturais, caracteres das personagens e natureza das acções é tal que todos estes elementos se implicam mutuamente. Por outro lado, a construção dos diálogos e a sua articulação com o discurso do narrador resultam numa toada constante, sem quebras, e numa indesmentível impressão de autenticidade, potenciada pela propriedade da linguagem – qualidades que terão ficado patentes em algumas das citações semeadas neste texto e que justificam uma referência a este livro em qualquer vindoura História da Literatura Portuguesa.

O Professor Simão Botelho, de Manuel Dias Duarte

 

 Uma boa história… com gralhas

 

 

Lê-se com agrado o bem construído romance de Manuel Dias Duarte (MDD), história de um amor de perdição, como aquele em que se consomem o Simão Botelho, a Teresa e a Mariana, de Camilo. Como no romance do mestre, aqui há também uma Mariana, que é até a mulher de Simão, professora como ele, e uma Teresa de Albuquerque, morta de parto alguns anos antes. Mas é Margarida, a jovem aluna de Simão, quem corporiza a paixão proibida e subversora dos códigos sociais, que o autor, aliás, se compraz a debater, por interpostas personagens. É assim que se põe a nu o papel determinante da infraestrutura económica na génese dos princípios que norteiam a consciência social, cunham tabus e modelam comportamentos, ou simplesmente nas diferentes formas de família, conforme demonstrou Engels, em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado.

Para quem cumpriu a sua vida profissional numa escola e, por isso, conhece os cantos à casa – obrigações a cumprir, relacionamentos diversos, constrangimentos legais, rituais de convivência – resulta óbvio que MDD sabe muito bem do que fala. E aquilo de que fala é a escola secundária portuguesa do imediato pós-25 de Abril, o PREC, quando todas as paixões surdiam da caixa de Pandora aberta pela Revolução. É assim que as referências sindicais surgem aqui a cada passo, que a eleição do Conselho Directivo, tanto quanto acto profissional, é acção política, que os professores se empenham revolucionariamente na formação dos seus alunos, acompanhando-os em visitas de estudo, com prejuízo para a sua vida pessoal e familiar e que… uma aluna, adepta fervorosa da libertação da mulher, não vê inconveniente em apaixonar-se pelo professor.

Se a leitura do romance de MDD é fonte de prazer, não posso deixar de dizer que esse prazer é, com alguma frequência, prejudicado pela ocorrência de gralhas que afectam a pontuação, a sintaxe e a própria semântica do texto, ainda que – devo também reconhecê-lo –, por deformação profissional, a minha atenção a pormenores de expressão seja porventura exagerada.