As cinquenta sombras de Passos Coelho e o memorando de entendimento
As avaliações do Jorge Mourinha, do Vasco Câmara e do Luís Oliveira, no Ípsilon, bem me diziam que o filme era mauzinho (e é), mas não deixa, por isso, de encerrar ensinamentos políticos que importa reter.
Uma pessoa vê aquela cândida criatura, que dá pelo nome de Anastasia e que chegou aos vinte e três anos tal qual Deus a pôs neste mundo, e treme só de imaginar o mal que o malvado do Christian lhe poderá infligir. É bem verdade que ela se sente irresistivelmente atraída por ele e que se lhe rende, qual país endividado, perante a iminência de uma bancarrota. Porém, nem se pode dizer que ela tenha vivido acima das suas possibilidades, e até parecia ser uma boa aluna (de literatura). Na verdade, o que parece estar acima das suas possibilidades é uma relação da qual, para além de um efémero prazer imediato, apenas vislumbra a mais que provável submissão a uma tirania (quase) sem limites. Ora a jovem e bela Anastasia, apesar de inexperiente, revela-se bem mais avisada do que alguns governantes que, ignorando as evidências de uma submissão sem termo à tirania da dívida, persistem no logro de a não denunciar. Anastasia hesita, enquanto vai usufruindo de escassas alegrias passageiras, negoceia e acaba por rejeitar o memorando de entendimento em que o dominador Christian lhe impõe as condições degradantes da sua própria satisfação. Ela percebe claramente que aquele memorando não passa de um pacto de agressão; Passos Coelho nunca o percebeu, ou, melhor, sempre se comportou como um mandatário da troika, vendando-nos, algemando-nos, flagelando-nos, sodomizando-nos. E não tem sequer a desculpa de Christian Grey, que era filho de má mãe. Que outras sombras terão ensombrado o seu passado?