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Também de esquerda

Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

Também de esquerda

Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

Curt'os Contos, de Paulo Moreira

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Os sonolentos caminhos de pedra rasgados por mãos desejosas

Suavíssimas visões de infernos repletos de luz

Cavalares rimanços de dados debruçados em cantos de mim

 

Tudo isto retalhos de prosa

Casarios de gente parada

 

São adagas que voltam no tempo

São imagens que foram criança

 

Estão cravadas em mentes assim

 

Curt'os Contos, p.7

 

O poemeto transcrito, que abre o livro Curt'os Contos de Paulo Moreira, poderia ser lido como anúncio, metafórico é claro, do que vem a seguir. Ele fornece também uma primeira chave de descodificação. Sem se entrar em pormenores analíticos porventura excessivos no âmbito dum comentário breve, poder-se-ia ver nele uma alusão a um árduo percurso de busca, de indagação, numa memória recheada, tanto quanto esfumada. A busca em causa é desejada e bem sucedida: ela conduz a "visões" que fundem, antiteticamente, a luz, a suavidade, os "casarios de gente parada", as "imagens que foram criança" com a dureza da pedra, a contundência da adaga e o horror do inferno. Síntese difícil, mas conseguida, é o que provam estes contos breves. Antes deles, nova chamada de atenção prefacial: "Pretextos" informa o leitor de que a démarche do autor passa por "inventar as palavras que foram inventadas [...] Transformar as palavras em mar e afogar-me em deleites de sons e seus ritmos embarcando em aventuras imateriais [...]". Está dado o tom: aqui, as palavras reinventam-se e partem à aventura; qualquer semelhança com o mundo em que vivemos talvez seja pura coincidência.

 

Se bem que já dentro do conjunto de contos propriamente dito, "Um escrito surrealista" parece vir ainda advertir o leitor para o que vai ler. Mas fá-lo, desta vez, com os condimentos da narrativa, equilibrando muito adequadamente rápidos apontamentos descritivos com a narração e o diálogo. Ondas cerebrais, um enforcado, três gatos fuzilados, uma cabeça tetraédrica são algumas das bizarrias que povoam um miniuniverso regido por um Conselho Utópico que Thomas Morus não deixaria de verberar.

 

Seguem-se vários contos igualmente curtos e igualmente equilibrados no seu agenciamento sintagmático, dotados daquele condimento, outrora considerado canónico e hoje não tanto, que é a surpresa do epílogo: "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce" põe em cena uma personagem em construção, presa de um Destino volúvel e quezilento, mas finalmente comovido, e de tal modo que se afoga nas suas próprias lágrimas; "Física da matéria condensada", talvez o único destes textos em que se poderia assinalar uma certa superfluidade discursiva; "Audição", que é, pelo contrário, um caso de exemplaridade, quer do ponto de vista do fluir narrativo, quer do ponto de vista da expressão, sem excrescências nem superfluidades; "Sol de Verão", cuja personagem se vê privada do Sol por motivo de incumprimento fiscal.

 

Há um conjunto de textos em que é singularmente expressivo o sentimento angustiante de um divórcio entre o mundo físico, incluindo o próprio corpo, e a consciência desse mesmo corpo, como se este fosse o objecto de que aquela seria o sujeito. É o caso de "A morte", experiência onírica de morte e renascimento, e de "Conservação", na linha do anterior, com a particularidade da progressiva desintegração física.

 

Há, também, contos ainda mais fantasiosos do que os anteriores e, cumulativamente, muito enigmáticos e avessos a tentativas de interpretação. Tal acontece em "Linha do Norte", que deixa o leitor perdido num amontoado de descrições e de reflexões breves, de nexos insondáveis, terminando com esta irónica exaltação: "Bem-aventurados os elos desconhecidos de ligação". É também o caso de "Experiências" e de "Caminhos". Todos eles estão já próximos do género ficção científica.

 

"Loucura", com três partes bem distintas, é aquilo a que talvez pudéssemos chamar "história de proveito e exemplo", ainda que a esta falte, obviamente, a explicitação moralizante, de bom tom no século de Trancoso. Ela começa com um texto de registo emotivo e de carácter intimista, e aparentemente confessional, que exprime a angústia do ser solitário balanceado entre o racional e o emocional. A sua segunda parte é constituída por um poema que exprime emotivamente o sentimento da irredutível individualidade do sujeito poético imerso num universo hostil. A narrativa que constitui a conclusão do tríptico, contrastando com as duas primeiras partes, é de carácter aparentemente jocoso. Aparentemente só, porque, lida para lá da sua superfície, ela ilustra os estragos causados pela impossibilidade de comunicar – nada menos do que a loucura.

 

Estavam certos Agustina Bessa-Luís, Dinis Machado, Maria Ondina Braga, Fernando Dacosta e José do Carmo Francisco quando, em 1987, recomendaram a publicação destes Curt'os Contos de Paulo Moreira.

 

EXAMES PARA QUÊ?

Quem diz exame diz classificação. De cada vez que, no final de um ano de aprendizagens diversificadas – que não se circunscrevem ao domínio cognitivo, mas abarcam todos os aspectos da personalidade do aluno, umas formais, outras informais e decorrentes da socialização que a escola propicia –, ocorre o exame, o que acontece é que um quadro complexo de conhecimentos, de qualidades e de destrezas é convertido num valor, geralmente expresso numa escala de 1 a 5 ou 0 a 20. Nesta escala, que é que distingue dois alunos com a nota 12, por exemplo? Nada. Eles podem ser muito diferentes entre si, terem tipos diversos de inteligência – mais prática e voltada para o concreto ou mais vocacionada para o abstracto –, mas aquela nota indica apenas que ambos atingiram um nível aceitável de saber ou de saber fazer em determinado domínio: capacidade para resolver problemas do âmbito da matemática, competência linguística e competência de comunicação na língua materna ou numa língua estrangeira, memorização e relacionação de factos e acontecimentos, etc. Tudo isto, presumindo, ainda, que os dois alunos foram examinados pelo mesmo professor ou por professores diferentes, mas, em qualquer caso, professores que lograram a proeza de manter inalterável, em todas as circunstâncias, a sua bitola avaliativa, ou não fosse a objectividade a coroa de glória que todo o exame reivindica.

 

Ora o processo educativo compreende isto e muito mais. Por alguma razão, a comunidade constituída por professores e alunos se chama comunidade educativa, a actividade a que se dedicam professores e alunos se chama educação, e o Ministério que superintende não se chama do Ensino. Para lá do importante domínio cognitivo, outros há, como o empenho do aluno na sua própria formação, o seu sentido da responsabilidade, a sua disponibilidade para a partilha, etc., que, sendo do domínio sócio-afectivo, se podem reputar de não menos importantes. Rabelais dizia, no século XVI, que "ciência sem consciência não passa de ruína da alma". Mais recentemente, na primeira metade do século XX, a humanidade teve a oportunidade de experimentar, de forma particularmente trágica, o que a ciência pode fazer se aqueles que a detêm postergarem os deveres de humanidade que a todos nos obrigam. Lembremo-nos das experiências dos médicos nazis ou das bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki e ponhamos a mão na consciência de que falava Rabelais...

 

Dito isto, a avaliação é necessária. Mas avaliação não significa necessariamente classificação e ranking. Desde sempre, a avaliação formativa funcionou como método de aferição do processo ensino-aprendizagem, tendente a identificar dificuldades e a corrigir erros do percurso. E a própria avaliação sumativa, efectuada em finais de ano ou de ciclo, pode saldar-se por uma menção em que o aluno é considerado simplesmente apto ou não apto.

 

Claro que esta opção não se compagina com as exigências de uma sociedade em que não só os valores da fraternidade, da igualdade, da solidariedade e da partilha são desvalorizados como todos somos instigados a competir. Dos fracos não reza a História, ensinaram-nos desde pequeninos. Devemos, então, aspirar sempre ao primeiro lugar, na escola, como no ginásio, como no trabalho. E se dos fortes é que reza a História, o desprezo pelos fracos não é sequer condenável. "Todos diferentes, todos iguais" é certamente um preceito não inspirado por este tipo de educação.

 

A fúria avaliadora é geralmente protagonizada por forças conservadoras que não escondem a sua determinação ideológica: trata-se de reproduzir ininterruptamente o modelo de sociedade concorrencial em que acreditam, em que vivemos e em que impera a lei da selva. Não tem, por isso, nada de surpreendente o facto de um dos argumentos mais usados por essas forças ser o de que os exames até preparam as crianças e os jovens para a "dureza" que os espera. Não se identificam as causas dessa "dureza" e, muito menos, se propugna a sua erradicação, antes se faz a apologia da "preparação" para se conviver harmoniosamente (!...) com a injustiça e a desigualdade.

 

As considerações aqui expendidas seriam certamente estigmatizadas por Nuno Crato e crismadas como apêndices menores do seu "eduquês", sendo certo que Maria de Lourdes Rodrigues não deixaria de as considerar como obra de um qualquer "professoreco". Não padecendo dos instintos persecutórios que parecem afectar estas personagens, desejo-lhes muitos e bons exames nas suas carreiras profissionais.

 

As forças conservadoras a que atrás me refiro têm criticado asperamente a decisão do actual Ministro da Educação de extinguir os exames dos 4.º e 6.º anos e de introduzir provas de aferição nos 2.º, 5.º e 8.º, quando o ano lectivo vai já "a meio", como se tais decisões acarretassem sérios prejuízos para o funcionamento das escolas e o bem-estar dos alunos. A referência temporal "a meio do ano lectivo" é manifestamente desadequada, uma vez que se estava no início do 2.º período, quando o anúncio foi feito, e o ano lectivo tem três. Quanto aos prejuízos, no tocante às escolas, não se percebe que prejuízos poderão resultar de uma logística que, canalizada para os anos terminais de ciclo, vai agora sê-lo para os anos imediatamente precedentes; quanto aos alunos, será uma óptima oportunidade para a educação se processar no sentido de que o fim da aprendizagem não é a realização de testes e de exames, mas antes a aquisição de uma cultura integral que faça dos jovens cidadãos de corpo inteiro, conscientes, interventivos, solidários, desejosos de um mundo melhor e capazes de lutar por ele.

 

(Texto publicado no Jornal do Algarve, n.º 3072, de 11/02/2016)

PARA A DECIFRAÇÃO DO CAOS, de MANUEL MADEIRA

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Exercício arriscado, o de comentar o último livro de poesia de um poeta de 91 anos sem ter lido nenhum dos anteriores. Vou, ainda assim, correr o risco de chegar a conclusões que, eventualmente, o conhecimento da sua anterior produção poderá invalidar, atendo-me ao que estes dezoito poemas de Manuel Madeira me sugerem ou indiciam quanto a um percurso que, de tão longo, dificilmente terá escapado aos mais variados incidentes e que tem certamente muito mais facetas do que aquelas a que me vou cingir.

 

Creio que há, em Decifração do Caos, editado pela Lua de Marfim em Janeiro último, duas linhas de sentido que se "actualizam" (no sentido de concretização no plano do discurso que a linguística dá ao termo) ora em poemas distintos, ora no mesmo poema. A primeira destas isotopias, ou conjuntos de redundâncias internas, enforma os poemas que se debruçam sobre o processo da criação poética e a relação do poeta com a palavra; a segunda é a da sua circunstância histórica (sua, do poeta).

 

  1. O processo de criação poética e a relação do poeta com a palavra

Esta reflexão acontece nos seis primeiros poemas e no décimo primeiro. Assim, em "Sentimentos calcinados", poema de abertura, o poeta como que lamenta a incomunicabilidade entre a realidade extralinguística e o signo não-motivado – "símbolo de nada", pois "entre as palavras e as coisas / existe um abismo que nunca se preenche" –, ao mesmo tempo que exalta a "ternura do insólito", ingrediente de eleição na feitura do poema. A demanda da génese da poesia está patente em "Ao encontro das causas das coisas", que esclarece o leitor sobre o aturado trabalho de rebusca da consciência e dos "sentimentos soterrados na mente", que o poeta desenterra "como o cavador [...] esperando que a memória e o tempo multipliquem os grãos / constituídos de emoções e de palavras / conteúdo e continente onde guardo a produção". "Para a decifração do caos", poema que dá o título ao livro, é também o poema em que o poeta, cartesiano, enuncia "o princípio da negação do que se afirma [...] para dar sentido à dúvida, sempre mais real que a afirmação". Infelizmente, e salvo melhor interpretação, a primeira estrofe ficou truncada e ao predicado inicial ("Começo por pôr em causa...") falta o complemento directo que lhe daria a plenitude de sentido e que apenas podemos presumir, sendo certo que as nossas hipóteses se revelam impotentes para aspirar à capacidade metaforizante do autor. Em qualquer caso, subsiste, como moral do poema, a afirmação de que a dúvida e a "perscrutação do silêncio" desvendam "abismos como os da alma humana". "Como se faz um ninho", classifica-o o poeta como "poema concreto" construído com "as emoções telúricas, [...] matéria prima abstrata". Trata-se de um poema que justapõe alegoricamente a "hercúlea experiência" das aves construtoras de ninhos ao labor do poeta "a construir sílaba a sílaba uma nova estrutura / da raiz ao topo destes versos insólitos". Vem, depois, o "Ensaio sobre a linguagem", poema verdadeiramente ensaístico que historia os alvores da linguagem humana: "Antes da palavra, só o gesto e o grito habitavam / as galáxias do ser que palpitavam mudas [...]". O registo metafórico, que impregna parte do poema e profusamente ilustra o engenho de Manuel Madeira, é preterido na última estrofe, a favor do discurso objectivo e didáctico. Esta disposição para o didactismo é especialmente notória no último poema desta série, "Negação da negação ou a obra inacabada", que é uma lição sobre a arte de poetar: "Reconstruimos o real que absorvemos pelos sentidos / como matéria prima indispensável à obra idealizada / que depois de trabalhada nos estaleiros da mente / onde sofre golpes e torções na forja e na bigorna / para adquirir formas revestidas de certezas, / surge extravagante e às vezes tão diferente do previsto / que a não reconhecemos como sendo desejada [...] // Escrevo por exemplo a palavra pedra / que junto à revelia da lógica com a palavra amor / para com elas formar um conjunto original / depois de aglutinar estas duas matérias, / que tanto poderá significar uma pedra de amor / como pelo contrário um amor de pedra, ou ser apenas uma síntese impenetrável / de amor empedernido como a eternidade / que só a ausência de convenções concebe. // [...]". Finalmente, "Aventura das palavras" é um poema que exalta a epifania da palavra, palavra que, no "minuto seguinte ao caos inicial" dá ao poeta "o contorno do invisível".

 

  1. O poeta e a sua circunstância

Conforme referi na introdução, há, depois, a isotopia da circunstância histórica, presente desde o primeiro poema, que tem um fecho marcado pelo desencanto, o que, aliás, vinha já sendo anunciado desde o título, com a metáfora da consumição da esperança pelo fogo de um tempo que não cumpriu as promessas da presumível idade de ouro que terá sido a da Revolução de Abril, leitura que suponho autorizada pelo conhecimento do percurso político do poeta, ainda durante o fascismo: "Sei que este é o tempo das ideias cilindradas / amassadas pela lama que já foi aurífera / que as palavras repetiam com alvoroço e fé. // Sonhamos é certo com as ilusões / que eram douradas e hoje são de chumbo / com as mãos acenando ao passado morto / tamborilando agora nas borlas do destino". Seguidamente, o poema "Só tu me acompanhas poesia", que nos traz à memória a "Ode à Poesia", de Pablo Neruda (" E tu, Poesia, / tão infeliz e tímida antigamente, / foste à frente / deles. E / todos se habituaram / ao teu fato / de estrelas quotidianas, / porque se algum relâmpago / denunciou / a tua ascendência, / tu cumpriste a / tua missão, / e o teu caminho, entre os caminhos dos / homens")[1]. No entanto, se Neruda exalta a combatividade de uma poesia empenhada na transformação social, Madeira lamenta a ausência de um projecto, e a sua alusão final a Jacob e ao Anjo induz outra referência literária, se não de sinal contrário, pelo menos de sinal diverso, a de Régio. Aliás, o poema seguinte, "Durante toda a noite", parece fazer eco aos célebres versos "Não sei por onde vou, / Não sei para onde vou / Sei que não vou por aí!"[2]. Com efeito, ele abre com os versos "Durante toda a noite / procurei uma saída para o labirinto / em que muito cedo me perdi". São três versos que replicam um após outro a disforia da noite, como metáfora do desencanto, a angustiosa dificuldade do labirinto, como metáfora da escolha, e a confissão não metafórica da ausência de rumo. A sua terceira e última estrofe confirma e clarifica a mensagem gravada pela primeira: "Nenhuma luz me guia nenhuma mão me prende / nenhum olhar derrama sobre mim a fé / de encontrar saída de onde / à míngua de rumor perdi o pé". A "míngua de rumor" exprime, mais metonímica do que metaforicamente, o isolamento, o não engajamento num projecto colectivo que, longe de propiciar ao sujeito poético o sentimento da liberdade, antes o leva, como diz, a "cair de borco no abismo do sonho / onde me agito e sofro em suas malhas preso". O poema seguinte, de modo muito mais enigmático e profundamente matizado pelo sentimento da dissolução no cosmos, parece reincidir nesta problemática, desde o título "Solidário / solitário", que contém os dois pólos opostos entre os quais o sujeito poético parece oscilar.

 

Há, enfim, três poemas que constituem notas algo dissonantes no conjunto, pela forma da expressão, pois se trata de sonetos, e pela substância do conteúdo, pois são transparentes e, por isso mesmo, não carecem de "decifração", estando, aliás, longe do "caos" de que outros participam. São eles "Morte em flor", "Garrett no Limoeiro" e "Drama do poeta Gomes Leal". Quanto a estes três sonetos, diremos apenas que cumprem aquilo que se espera desta forma fixa, isto é, desenvolvem harmoniosamente um raciocínio e fecham com chave de ouro: no primeiro caso, com a bem-humorada expressão do receio de que "o coração, / a sete palmos de profundidade, / não deixe adormecer a vizinhança"; no segundo caso, com a exortação ao poeta para que cante a "liberdade eterna"; no terceiro, com a expressão antinómica da condição do poeta: "brilhar no espaço com um fulgor d'astros, / andando aos trambolhões pela sarjeta!"

 

O último soneto recenseado sugere-me fortemente o poema "L'albatros", em que Baudelaire compara o poeta a este gigante dos céus. Pousado no convés do navio, o albatroz, ou alcatraz, perde a majestade do voo e vê-se reduzido à condição de desajeitada e infeliz ave: "Le Poète est semblable au prince des nuées / Qui hante la tempête et se rit de l'archer; / Exilé sur le sol au milieu des huées, / Ses ailes de géant l'empêchent de marcher."[3]

 

Se a condição do poeta é também, de certo modo, a condição humana nos dois extremos do trajecto existencial, o facto é que, com os seus 91 anos e este livro, Manuel Madeira mostra que as suas asas de gigante não o impedem de andar.

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[1] Pablo Neruda, "Ode à Poesia", in O Homem Invisível

[2] José Régio, "Cântico Negro"

[3] Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal