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Também de esquerda

Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

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Porquê só as TIC?

 

O ministro da Educação, Nuno Crato, anunciou recentemente a intenção de extinguir a disciplina de Tecnologias da Informação e da Comunicação no 9.º ano, considerando que, ao chegarem a esse nível de escolaridade, os alunos dominam já suficientemente os computadores, o que torna a disciplina supérflua, logo factor de desperdício. Creio que o ministro tem toda a razão e reputo de corporativas – por conseguinte, ilegítimas – as reacções dos professores desse grupo disciplinar. Eles que tratem de se reconverter, visto que qualquer miúdo de treze anos, e até menos, domina perfeitamente o seu pc (com minúsculas, para não confundir com o PC maiúsculo, muito mais difícil de dominar). Eu mesmo, que tenho mais de treze anos, é certo, mas apenas frequentei umas horitas de formação contínua sobre computação, sou perfeitamente capaz de processar texto no word (este texto prova-o), de realizar uma apresentação em power point, de navegar na internet e até de blogar como um grande.

 

O que me deixa algo confuso é que este simpático ministro, que faz com certeza suspirar magotes de professoras (ainda que provavelmente menos as ingratas que leccionam as TIC), e logo ele que tem um raciocínio tão matemático e que “disseca com rigor e impiedade os lugares-comuns em educação, mostra o vazio dos conceitos que têm dominado a pseudopedagogia do laxismo e da irresponsabilidade e explica a ideologia frouxa que está por detrás da linguagem mole e palavrosa a que se tem chamado eduquês”, logo ele, digo, não tenha, com o seu bisturi de gume afiado, promovido a dissecação do conjunto do currículo, levando o seu rigor e impiedade até ao lugar-comum da necessidade de disciplinas como o Português, a História, a Filosofia, as línguas estrangeiras e tantas outras. É que – e posso afirmá-lo com a autoridade de quem leccionou Português e Francês durante mais de trinta anos – qualquer aluno chega ao 1.º ciclo a falar muito razoavelmente o português, ao 2.º ciclo a escrevê-lo quase sem erros, sobretudo agora que foram suprimidas as consoantes mudas, ao 3.º a exprimir-se em inglês técnico quase tão bem quanto o engenheiro Sócrates e ao Secundário com a perfeita noção de que Marcello Caetano foi um grande empresário do ramo automóvel e de que António de Oliveira Salazar foi o primeiro Presidente da República do pós-25 de Abril.

 

Omito aqui o Francês, disciplina em que raramente chegam a dominar a conjugação do verbo avoir, o que, de todo, é irrelevante, pois o inglês supre perfeitamente qualquer necessidade de comunicação com alienígenas. Da Filosofia, bastará dizer que é uma disciplina que, como sabemos, nasceu do ócio, nas antigas colónias gregas da Ásia Menor. Está à vista o triste fim dos países que têm pensadores ociosos.

 

Em suma, senhor ministro, acabe com toda esta parafernália de disciplinas supérfluas e Portugal renascerá das cinzas. Como a Fénix.

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(*) Contracapa de O ‘eduquês’ em discurso directo, de Nuno Crato, Gradiva, Lx.ª, Abril de 2006