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Também de esquerda

Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

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Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

Os Malaquias, Andréa del Fuego

Os Malaquias, Andréa del Fuego

 

          Os capítulos curtos – por vezes, curtíssimos – insinuam, logo a abrir, o estilo directo e incisivo da narração:

 

“Serra Morena é íngreme, úmida (sic) e fértil.

“Aos pés dela vivem os Malaquias, janela com tamanho de porta, porta com autoridade de madeira escura.”

 

É assim que, desde as três primeiras linhas do romance, o leitor apreende uma paisagem natural humanizada por um esboço de povoamento. A ténue ironia que matiza a descrição sumária do casebre manter-se-á, depois, a esse nível incipiente, sem ferir a simpatia do narrador pelas suas personagens.

 

“― Corre, Adolfo!

“Donana pedia ajuda ao marido (…)

“(…) Nico tinha olho azul, nove anos. Antônio, miúdo, seis. Júlia, barriguda, quatro.”

 

Nas quinze linhas do primeiro capítulo, com grande parcimónia de meios, estão lançados os dados. Depois, claro, vem o romance. A paisagem alarga-se e abarca a cidade. Umas personagens morrem, outras crescem, outras ainda intervêm, relacionam-se entre si, conhecem destinos diferentes, sofrem os constrangimentos da sua condição. Das personagens que morrem, uma goza de um estatuto particular: Geraldina Passos, mãe de Geraldo. É que

 

“enterrar o corpo não apagou a figura. Restou uma espécie de memória, que mesmo minúscula e transparente tinha uma estrutura, permanecia organizada e material. Circulava como o pó de uma penteadeira não encerada, a respiração de alguém a faria levitar.”

 

Continuando a habitar a paisagem e a acompanhar aqueles com quem vivera, esta personagem contribui, a par de estranhas ocorrências, como o sumiço de Nico através do bule onde fazia café, para a emergência, numa narrativa que, em grande parte, poderia ser lida como documentário de uma certa realidade brasileira, da dimensão mágica, tão entranhada na literatura latino-americana.

 

E o facto é que este romance é daqueles que, mesmo depois de fechados, continuam a povoar-nos.

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