CONVITE À DELI
Querida Deli,
Já tenho os aposentos prontos para vos receber. São três quartos, dois deles com cama de casal, o outro, duas camas de solteiro, os três com vista para a Bolsa de Valores. Podeis vir todos – tu, o teu companheiro Neli e os vossos parceiros público-privados. Vinde todos, mas, por favor, mantende-vos calmos. Nada de excessos. A castidade é de bom-tom e, para mais, já sois em número suficiente para encher uma casa de hóspedes. Se não conseguirdes manter uma distância de segurança uns dos outros, muni-vos daqueles dispositivos de cauchu que, bem usados, contribuem para um crescimento demográfico consentâneo com as capacidades do planeta e deitam por terra a tese do Malthus sobre progressões aritméticas, geométricas e o diabo a quatro. Em alternativa, elas que tomem qualquer coisa ou eles que se engenhem na difícil arte do interruptus (coïtus, obviamente). Podeis seguir venerando as leis do mercado, mercadejando a oferta e a procura, consoante a estação do ano. Privatizai tudo quanto possa dar ou vir a dar lucro, após o devido período de criteriosa gestão, levada a cabo por gestores públicos mais vocacionados para o privado. Afinfai tarifas exorbitantes a quem lucrar com a vossa bondade por meio do dumping ou do livre curso dado à circulação de capitais, mas fechai bem as torneiras da casa de banho, que foram anos e anos de seca. Abri os cordões à bolsa apenas quando em presença de gestores privados, accionistas e detentores de obrigações do Tesouro. E livrai-nos do comunismo. Amém.
(Deli é o petit nom da Democracia Liberal e Neli, do Neoliberalismo, como já toda a gente percebeu.)