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Também de esquerda

Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

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Declaração de amor(es)

Pois é. Estou apaixonado pela F., pela Q., pela C., e pela L. Com todas elas, mantenho uma relação saudável e, no mínimo, gratificante, o que não significa que o meu interesse seja permanente e que mostre idêntica deferência para com todas. Também é verdade que nem todas correspondem da mesma maneira aos meus avanços. De facto, sinto que, com as duas primeiras, mistério e segredos se vão desvanecendo à medida que nos conhecemos melhor, mas nem por isso o nosso relacionamento entra em domínios mais intricados. Nestas coisas do amor, não é fácil separar águas e, mais ainda do que noutros domínios, diz a experiência que não somos bons juízes em causa própria. Por isso, confesso que tenho culpas no cartório, mas elas também não estarão isentas de todo: põem-me vezes sem conta em situações em que me julgo um perfeito idiota, o que não me agrada mesmo nada. Já com a C., só a muito custo me é dado aceder ao que lhe vai lá por dentro, havendo pormenores que julgo inalcançáveis, e quando digo pormenores sei que o termo é impróprio, pois são factos de enorme importância. De tal maneira que até posso afirmar que estamos a anos-luz de distância um do outro, somos de galáxias diferentes. É com mágoa que o reconheço, mas sinto-me na obrigação de o fazer, por uma questão de honestidade. O que é comum às três é que têm uma ligação muito forte com o mundo, sentem-se parte integrante de tudo e de todos; por assim dizer, elas são o mundo ou, pelo menos, compreendem-no bem melhor do que eu. Já com a L. a minha relação é de muito maior cumplicidade. De facto, conhecemo-nos há muito mais tempo e rapidamente nos tornámos íntimos. Ela está sempre perto de mim; deito-me e levanto-me com ela. Por vezes, ficamos quedos, calados, a mirar-nos no fundo dos olhos. Percebemos que a vida de um não teria sentido sem a vida e a cumplicidade do outro. Também nem sempre o entendimento é pacífico; uma vez por outra, divergimos, mas a dissensão é banal e não deixa rasto. Há dias em que passamos mais tempo juntos – quando eu não tenho afazeres, já que ela está sempre disponível. O que a distingue das outras três é essencialmente isto: é muito sonhadora e não se rala nada se confundir aquilo que todos nós vemos com aquilo que ela própria vê e que muitas vezes não coincide. Digamos que tem uma cosmovisão multifacetada, que é muito dada ao sonho, que, ao retrato estático, prefere o croqui e o devaneio. Pessoalmente, revejo-me em todas elas, apesar das diferenças já assinaladas e que, no caso da C., só não é desesperante porque eu tenho uma infinita paciência. A minha intimidade com a L. tem certamente que ver com a propensão que também tenho para a divagação, como, aliás, se nota. Enfim, para não me alongar muito mais, reconheço que a minha paixão serôdia pela Física, pela Química e pela Cosmologia, apesar de sincera, será pouco menos do que infértil. Quanto à Literatura, essa, temporã, espero que dure, enquanto eu durar. Eu. Porque (ela que me perdoe!), promíscua como é, vai com todos os que a querem e promete não morrer.