ENTREVISTA A UMA SÓ VOZ (da série “narcisismo autobiográfico”)
Eu entrevistador: Bom dia e obrigado por ter aceitado receber-me em sua casa.
Eu entrevistado: Ora essa! Isso vai de si, como há-de compreender.
Eu entrevistador (surpreso): Vai de mim?!
Eu entrevistado: Olhe, vai de nós! Temos de ser uns para os outros, mesmo quando a destrinça entre um e outro se torna difícil de enxergar.
Eu entrevistador: Pois, estou a ver, ou a enxergar, já agora, se me permite reduplicar...
Eu entrevistado: Por quem é! Reduplique, sempre que quiser.
Eu entrevistador: Muito agradecido. Enfim, para começar, gostaria de saber de quando data o seu interesse pela escrita.
Eu entrevistado: Que engraçado! Já reparou que começa pelo fim?!
Eu entrevistador (novamente surpreso): Começo pelo fim???
Eu entrevistado: Sim. Acabou de dizer: “enfim, para começar”. Mas não ligue. Sou eu que estou sempre em busca destas bizarrias da comunicação. Passemos à frente. Olhe, a minha estreia nas Letras deu-se, andava eu pelos sete anos, quando escrevi isto, ou mais ou menos isto:
Mãe,
eu gosto de ver a Lua,
porque vejo no brilho dela
a luz do teu bondoso olhar.
Como vê, trata-se de uma estreia nas Letras, com maiúscula, praticamente contemporânea da estreia nas letras do alfabeto e nas contas de somar. Eu estava orgulhoso, muito orgulhoso, não só do domínio da escrita, mas sobretudo do recorte literário da coisa, e corri a mostrá-la a pai e mãe, que me não pouparam elogios e beijos. Pergunto-me se não terá sido esse incentivo que ainda hoje me motiva, para desgosto de quem me lê, se é que alguém faz questão de malbaratar o seu tempo (riso irónico).
Eu entrevistador (algo subserviente): Modéstia sua… E continuou nesse registo lírico?
Eu entrevistado (com entusiasmo): Mais ou menos. Ainda por essa idade, voltei-me para a epistolografia. Numa página de um caderno da escola, redigi uma carta de cujos termos me esqueci. Sei, apenas, que era dirigida à minha irmã. Acontece que, ao verificar um meu qualquer “dever” (antiga designação do TPC) no caderno, a saudosa Dona Sofia, minha professora da 1.ª à 4.ª classe, deu com a carta e, sabendo que eu apenas tinha um irmão, interpelou-me com estranheza: «Mas… tu não tens nenhuma irmã!» A minha resposta simples e inocente, qualquer coisa do género: «Não tenho, Senhora Professora, mas gostava muito de ter, para brincar com ela.» De facto, ela veio a nascer uns meses mais tarde, mas sem habilitações literárias.
Eu entrevistador: Portanto, esse gosto pela criação literária foi-se sedimentando sem interrupções…
Eu entrevistado (irónico): Olhe, entre “sedimentando” e “cimentando”, o meu coração literário palpita. E hesitaita. Agora fora de brincadeiras: o apelo das Letras deve ter sofrido um apagão nos anos seguintes, pois só guardo registo de produção escrita de quando já ia nos quinze, dezasseis anos. Por essas alturas, vertia um fervor poético egotista, provável resultado da leitura de românticos e ultra-românticos, em cartas que enfermavam todas daquele mal a que se refere Fernando Pessoa na versão Álvaro de Campos. Lembro-me de algumas destinatárias: a Guidinha (lembra-se das «Redacções» do Sttau Monteiro?), a Ana, a Helena e a Aida. Ainda terei para aqui uma ou duas sobreviventes (Deus sabe onde!), no meio de outros papéis que o tempo consentiu em poupar.
Para além das cartas, porém, é desses anos que datam alguns poemas que conservo. Alguns, anódinos, revestem a forma clássica do soneto, aprendida no Liceu, reproduzem clichés inspirados provavelmente em poetas e escritores como António Nobre, Guerra Junqueiro, Júlio Dinis, e traem uma visão classista pequeno-burguesa, o que não é de espantar (novo riso irónico):
Terra amada
Quantas vezes relembro a aldeia velhinha
onde estanciava na minha longínqua infância.
Lá, era o fidalgo, e a minha mãe, a rainha,
como se, para o ser, bastasse a nossa ânsia.
E como nos adorava aquela gentinha!
E como comentavam a nossa elegância!
Como choravam quando, depois, à tardinha,
nós lhes deixávamos vazia a estância.
Quantas e quantas vezes relembro, saudoso,
aquela gente, a aldeia e os pinheirais!
E fico depois triste, tão triste, invejoso.
Não porque já não somos pessoas reais,
mas porque eu amo a aldeia e o campo airoso,
sinceramente, como eles, tanto ou mais.
Eu entrevistador: Já revela aí um certo domínio de processos que não são assim tão fáceis de usar. As formas fixas impõem uma disciplina rígida…
Eu entrevistado: Sim, talvez. Mas isto enferma de um formalismo que já não há pachorra... (hesitação).
Eu entrevistador: E essa referência à aldeia onde estanciava…
Eu entrevistado: Lá está! Não só a idade era pouca como os tempos eram outros. Olhe: ainda me lembro de que “aquela gentinha”, como lhe chamo, mais por comiseração do que por sentimento de superioridade, eram os caseiros de um autêntico senhor feudal minhoto e trabalhavam arduamente em courelas (as leiras), para apenas assegurarem a sua sobrevivência. No tempo das colheitas, lá iam entregar ao suserano, que os recebia numa dependência majestática e sentado num imponente trono, a parte dos produtos da terra que lhe era devida como proprietário. Não foi assim há tantos anos que os nossos camponeses saíram da Idade Média. Enfim, isto já é história séria de mais para ser aqui tratada.
Eu entrevistador (cordato): Tem razão. Está a tornar-se chato.
Eu entrevistado: Quem? Eu?
Eu entrevistador: Não. A abordagem dessas questões delicadas em contexto de farsa.
Eu entrevistado (incomodado): Farsa, farsa, não será propriamente o caso. Você usa o vocabulário de que dispõe com alguma displicência, o que não me é particularmente grato.
Eu entrevistador (pesaroso): Peço-lhe desculpa. A intenção nunca foi essa. Falta-me tarimba, sabe? E não é nada fácil entrevistar alguém que, estando tão perto de nós, ora se desvenda sem recato, ora se esconde por detrás de um tapume translúcido.
Eu entrevistado: Olá! O seu estilo melhorou bastante desde o uso daquele plebeísmo de há pouco. Parabéns.
Eu entrevistador: Não sabe como lhe fico grato pela felicitação. Mas voltemos à sua poesia. Tem outros poemas, de diferente cariz?
Eu entrevistado: Claro! Tenho outros mais autênticos, alheios àquela preocupação formal, esteticista, quase academicista, diria eu, a merecer aquele “Pim!” com que o Almada esfaqueia o Dantas, e que não escondem a presença avassaladora da Helena, mocinha franzina, lourinha, bonita e muito aprumada. Eu estava francamente apaixonado, e a puberdade explica o arrebatamento de coisas como estas:
Convite
Ó Lena, e se tu me deixasses
navegar
todas as enseadas
do teu corpo?
E se enfunasses,
com o vento dos teus cabelos fúlvidos,
as velas do meu desejo?
E se fosses minha,
como o sexo
é do amor?
Ó Lena,
todo o vento é a favor.
Geografia concisa
Algumas enseadas
que os meus dedos navegam,
duas colinas erectas
e uma larga baía
doirada.
O resto é o frémito do amor;
mais nada.
E mais este, reincidente na geografia e na navegação (já vê que falhei a vocação de marinheiro…):
Não importa
Não importa que esses teus golfos
se tenham fechado à minha
navegação.
Não importa que o vento
dos teus cabelos
sopre em paragens diversas.
Não importa que os barcos
das tuas palavras
tenham recolhido a estaleiros
inefáveis.
Não sou bom marinheiro,
não tenho portulanos,
mas não importa.
As marés mudam,
os sistemas de altas pressões
e de baixas pressões
deslocam-se,
e eu conheço
a tua situação geográfica.
Eu entrevistador: Estou a ver a testosterona aos saltos!...
Eu entrevistado: Tem razão. O que não obstou ao despontar de uma certa lucidez. Repare nesta espécie de contrição formatada em soneto:
Recordação
Naquele tropel insano, inconsciente,
de sílabas de amor mal murmuradas,
ficaram mais ‘quecidas que lembradas
ternuras ideais que tinha em mente.
Envoltos no amor, canção dolente,
qual rochas, almas grandes naufragadas,
passou por nós o tempo, em grãs passadas,
passou por nós a vida, que não mente.
Mas sendo, enfim, libertos da apatia
que em noite ia tornando o claro dia,
qual tinta preta caindo em neve pura,
Depressa vimos, logo demos conta
que o Sol é grande quando mal desponta,
mantém-se grande em qualquer altura.
Eu entrevistador: Sim, senhor. Julgo ver aqui um equilíbrio que diria clássico.
Eu entrevistado: É capaz de ter razão. Faz lembrar um pouco o Sá de Miranda, descontando o atrevimento da comparação, não acha?
Eu entrevistador: Exactamente. Aquele soneto “O sol é grande, caem co’a calma as aves”…
Eu entrevistado: Confirmo. Vejo que temos referências semelhantes…
Eu entrevistador: Lisonjeia-me que diga isso, ainda que vá de si... como já vimos. E continuou nessa toada genericamente sentimental durante muito tempo?
Eu entrevistado: Felizmente, não. Pouco depois, as preocupações político-sociais irrompem, como resultado do convívio com jovens ligados à resistência antifascista. Escrevi, então, coisas como estas:
Carta
(para o Artur Monteiro, preso pela PIDE)
Amigo,
daqui,
deste negro e húmido
cárcere sem grades,
te envio a luz
de dez milhões de vozes.
E, porque nem sempre
amanhece de noite,
talvez amanhã
o algoz já não te açoite.
Eu entrevistador: Ai! essa rima de “noite” com “açoite”! Se bem me lembro é uma das que o Eugénio de Castro fulmina no Oaristos.
Eu entrevistado: É, sim senhor: “sol” com “rouxinol”, “caminhos” com “ninhos”, etc. Mas não deixa de ser uma bela rima. Não acha?
Eu entrevistador: Com certeza. E rica! – substantivo com verbo… ainda que “açoite” também possa ser substantivo.
Eu entrevistado: Estou a ver que a gramática não lhe é estranha…
Eu entrevistador: Oh! Ainda me lembro de umas coisitas…
Eu entrevistado: Já agora, oiça lá mais isto, que é da mesma altura:
Data
Chorei.
E, muitos meses depois,
continuei a chorar
de alegria.
Uma bandeira
cor de paixão
foi hasteada
nesse dia.
Eu entrevistador: Lá está: “alegria” com “dia”; outra rima pobre…
Eu entrevistado: Sim, tem razão, mas repare naquela “bandeira cor de paixão”. Há ali uma contiguidade osmótica, sinestésica, entre o domínio das sensações visuais, o dos sentimentos e ainda o da política, que redime o poema da pobreza rimática.
Eu entrevistador: Sem dúvida. A minha observação vinha apenas na sequência do que estávamos a dizer a propósito do Oaristos… E para além destes poemetos em registo mais ou menos enigmático?
Eu entrevistado: Para além destes poemetos, um ou outro afasta-se da linguagem cifrada e envereda pela narrativa de experiências reais ou imaginárias, irrelevantes, mas desencadeadoras de associações humorísticas. Quer ouvir?
Eu entrevistador (entusiasmado): Claro que sim!
Eu entrevistado: Então, aqui vai:
O simples
Conheço-o, e é triste conhecê-lo,
porque ele é como uma manhã sem sol.
Se nos conta as mágoas, coitado, é vê-lo
desfiando-as, como num novelo,
enunciando-as, como a ler um rol.
Quando eu entro no café, de manhã,
mal me vê e lá vem ele ter comigo:
«Bom dia, Sr. Poeta, como está?»
Respondo, converso como me dá,
e, intimamente, amo-o como a um amigo.
Pede-me pra lhe ver o totobola,
às vezes. (Não sabe ler nem escrever).
E, enquanto o fumo do café se evola,
eu lá lhe vou corrigindo a bola,
pois, como ele, preciso de espairecer.
Mas, se são grandes as preocupações,
esquece tudo e fala-me só delas.
Abre-se-lhe o coração e, em turbilhões,
brotam-lhe mágoas, pragas, emoções:
«Ah! Minhas grandes ladras, putas, cadelas.»
Ah! Engraxador, ah! Meu bom amigo,
tu também és, como eu, revoltado.
Dá-me a tua mão, vem junto comigo,
e ambos, à procura de um abrigo,
sonhemos, que todo o sonho é alado.
Agora, o humor:
Um dia, roubei uma flor
no jardim de Carlos Alberto.
Corri a todo o vapor
para casa,
que não era longe,
mas perto.
Chegado a casa, guardei-a
numa caixa de madeira,
mas só lá cabia meia,
não cabia lá inteira.
E é daí que resulta
aquilo em que eu matuto:
não sou completamente poeta
e só sou meio maluco.
Eu entrevistador: É giro. Faz um pouco eco de certos poemas modernistas… Mudando de assunto: eu sei que sofre de uma tendência irrefreável para a iconoclastia, coisa que nem sempre é bem recebida pelo público.
Eu entrevistado: Tem toda a razão. Isso foi um pouco mais tarde, quando já emigrado em França. Um ateísmo pertinaz levou-me a criar blasfémias deste jaez, onde suspeito subjazerem influências de Brassens, de Ferré e de Ferrat:
Dieu fait l’amour
C’est curieux que je me perds
dans l’océan des désirs,
moi, qui ne connais point les mers
et qui ne fais que dormir!
Pourtant, c’est vrai, je te le dis:
toute la journée je ne pense qu’à toi.
Quoi que je fasse (rien faire compris),
ta pensée me revient sans cesse, cent fois.
Mais le pire, encore, c’est que je t’aime
d’un amour impur et disgracieux.
Figure-toi : je t’imagine à Jérusalem,
toute nue devant le Patriarche des Cieux.
Et puis, sous la pluie de la colère divine,
qui va s’apaisant devant tes grâces,
je m’imagine chantant une hymne
à tes longues cuisses lasses.
Le dernier comble du scandale,
c’est quand moi, fou de ton désir,
me couche sur ton corps, glorieux mâle,
et te fais doucement évanouir.
Alors Dieu, magnifique dans sa bonté,
fait venir Marie-Madeleine et le Christ.
«Voyez, mes enfants – qu’il leur dit, mouchant son nez –
ce que c’est que les rouges, les communistes.»
Il faut dire qu’il était assez ironique
que ses yeux étincelaient, sa bouche écumait.
Et le dimanche suivant dans le céleste pique-nique,
Marie-Madeleine était moins vierge que jamais.
Eu entrevistador: E depois do seu regresso a Portugal?
Eu entrevistado: Ah! Aí, as coisas complicaram-se. Os anos de exercício profissional raramente me permitiram o exercício desta exaltante actividade artística, a que só esporadicamente dei asas. Já aposentado, sim, voltei a escrever. Arredado, definitivamente, o lirismo versificatório, dediquei-me a produzir umas prosas que me encheram daquele mesmo orgulho que senti aos sete anos, no tal poema da Lua e do “bondoso olhar”. Nós temos quase sempre tendência para acreditar que somos interessantes e que temos algo a dizer aos outros. Sabe como é: nunca se é bom juiz em causa própria. O facto é que eu percebi, mesmo sem mo dizerem, que os meus raros leitores acharam tudo aquilo sensaborão e bom para acender a lareira. Dediquei-me, então, a criticar os escritos de quem tem mesmo talento.
Eu entrevistador: Que pessimismo! E que tal correu a experiência de crítico literário?
Eu entrevistado: Olhe, foi muito positiva, no plano do conhecimento das pessoas. Que é que eu quero dizer com isto? Percebi que, regra geral, os escritores esperam que a crítica lhes seja favorável, porque se consideram sempre dignos dos maiores elogios. Quando se assinala algum aspecto menos positivo do que escrevem, ficam zangados. Parecem não compreender que a visão do crítico é uma visão pessoal e que será naturalmente marcada pelos conceitos, pelos preconceitos e pelo gosto do crítico, não necessariamente coincidentes com os de outro crítico ou escritor. Por isso, desisti da carreira. Mas tenho pena, porque, se tivesse insistido – quem sabe! – talvez pudesse aspirar a um túmulo na Igreja de Santa Engrácia, … graças ao mérito literário e ao serviço prestado à nação …
Eu entrevistador (lamentoso): Ah bom! Assustou-me! Receei que fosse na sequência de homicídio cometido sobre si por algum escritor descontente.
Eu entrevistado: Não. Nenhum deles chegou ao ponto da ameaça de morte. O que é curioso é que algumas das minhas maiores vítimas, caso do Gonçalo M. Tavares e do António Lobo Antunes, por exemplo, não tugiram nem mugiram. Dei-lhes forte e feio (sobretudo, ao primeiro) e eles fecharam-se em copas. Já outros, muito menos conhecidos, foram aos arames, como se costuma dizer. Enfim… águas passadas.
Eu entrevistador: Já que falou de passamento: é uma ideia que o atormenta, preocupa, incomoda, sei lá …
Eu entrevistado: Bom, a ideia de que tudo continuará para lá de nós não deixa de ser desagradável. É a derradeira desfeita que a vida nos faz. Afinal, não somos tão importantes quanto sempre nos pareceu sermos, mesmo os que menos podemos aspirar a essa classificação. De resto, estamos sempre a ouvir coisas do género “todos somos únicos e insubstituíveis para alguém”, “se não existisses seria preciso inventar-te” (como diria o Dostoievski, mas a propósito de outra pessoa …). Enfim…
Eu entrevistador: Pois. E quanto à sua própria criação?
Eu entrevistado: Bela associação que acaba de fazer: depois do passamento, a criação; é o mundo às avessas …. Ora, como já lhe disse, entrei em poisio. Pode ser que o torrão recupere alguma fertilidade…
Eu entrevistador: Não me diga! Fez mal! Ao que consta, o seu último livro foi um êxito de vendas…
Eu entrevistado: Tem toda a razão! Olhe: só eu, num só dia, comprei cinquenta exemplares. Já está a ver…
Eu entrevistador: E teve feed-back?
Eu entrevistado: Eu gostei. Gostei até bastante. Dos amigos a quem ofereci o livro, houve um ou dois que o acharam interessante, mas não se lembravam do título nem de nenhum texto em particular. Dos outros, não voltei a ter notícia.
Eu entrevistador: Disse “interessante”, não foi?
Eu entrevistado: Sim: “interessante”.
Eu entrevistador: Não deixa de ser elogioso!...
Eu entrevistado: Claro. Para voltarmos à sua estimada gramática, é um adjectivo com uma carga semântica aparentada com a de interjeições como “ai!”, “ui!”, “safa!”, indício do pavor do examinando que não sabe responder.
Eu entrevistador: Que exagero! Olhe, acredite que já li todos os seus livros e gostei de todos. Por mim, dava-lhe mesmo o Nóbel.
Eu entrevistado: Não é Nóbel, é Nobel. O Senhor diz “pápel” ou “papel”? Diz “ánel” ou “anel”? Diz “cínzel” ou “cinzel”?
Eu entrevistador: Já percebi. Muito obrigado pelas suas correcções e pela sua amável disponibilidade em falar de si.
Eu entrevistado: Não tem de quê. É sempre com imenso gosto que falo de mim comigo. Dá-me a sensação de que existo (cenho franzido).
Eu entrevistador (subserviente): A sério?! Engraçado: acontece-me sentir o mesmo. Somos tão parecidos, se me não leva a mal…. Obrigado! Obrigado!
Eu entrevistado: Não tem de quê. (À parte): Olha qu’esta! Pró qu’havia de me dar!