Megalópolis e A Substância – dois filmezinhos
Fui ver o Megalópolis, há umas semanas. Utopia, talvez, mas com pés de gelatina. Espectacularidade, sim. Um dispêndio enorme de dinheiro. Em cenários, em actores, em técnicos de todas as especialidades, em efeitos especiais, em licenças, em publicidade. Coppola investiu uma fortuna pessoal para colher 10% do capital investido – uma esmola, embora significativamente maior do que aquilo que costumamos dar ao arrumador de automóveis. Sei que muita gente abandonou o filme a meio e achou que mais valia ele ter guardado aquilo num baú que abrisse de vez em quando para adocicar o tédio dos dias de Inverno. Eu não gosto de deixar nada a meio. Por isso, fiquei até ao fim. Para ver se acabava por entender. E por gostar. Entendi que era estapafúrdio. Não gostei. A arte não tem que ser, aristotelicamente, a imitação da realidade. Longe vão esses tempos. Mas uma coisa que fica a meio caminho entre um surrealismo falsificado e a ficção transbordante de bizarrias vagamente científicas, nada abona a favor de quem a faz.
Fui ver A Substância, há dois ou três dias. Com a Demi Moore. Refiro-me ao filme, claro. Eu fui acompanhado, mas não com ela. É um misto de alegoria e de biotecnologia ficcional. Sempre bonita e em forma, com os seus sessenta e dois anos, Demi Moore é aqui Elisabeth Sparkle, estrela de Hollywood, não menos bonita do que a sua outra versão, Sue, de dezoito ou vinte, saída das suas entranhas, mas pelas costas, através de uma assustadora incisão depois suturada mediante cordel de atar chouriços. Não menos bonita para mim, que vejo a beleza para lá do tempo, mas já “fora de prazo” (detestável expressão neste contexto, mas usada sem embaraço pelo produtor). Muito barulho, muita violência, muito sangue, à mistura com a sempre impressiva imagem da beleza feminina. Moral da história: o envelhecimento é inevitável e, se não o aceitarmos com a naturalidade que advém da condição humana, o preço a pagar é incomensurável. Fraqueza da história: aquele desdobramento da personagem, a fazer lembrar o retrato de Dorian Gray, não tem ponta por onde se lhe pegue. No romance, a coisa passa, porque a ficção inventada por Óscar Wilde, sendo fantástica, no sentido da teoria da literatura, é simples: o retrato envelhece, não o modelo. No filme, a ficção científica é, de todo, intragável.
Felizmente a RTP2 apresenta regularmente óptimas séries de várias nacionalidades, (pelo menos, logo a seguir ao Jornal da 21h 30). Muito menos rebuscadas, do ponto de vista da intriga, mostram-nos um mundo que existe ou existiu, com personagens que se nos prendem à pele, de convincentes que são, e sem a pretensão de “épater le bourgeois” e menos ainda o proletário. Vale a pena ver.