O beijo e outras merdas (se me é permitido)
O beijo e outras merdas (se me é permitido)
Tendo por hábito só postar coisas sobre assuntos tipo “aquela” guerra e outros que nem ao menino Jesus interessam (para mais, com um desesperante apego à gramática normativa, acho eu!) – resolvi mandar um bitaite que, tendo algo a ver com a Jenni e o Rubiales, tem sobretudo a ver com a faena.
Quanto ao beijo, já tudo foi dito. Os vídeos ilustram tudo e mais alguma coisa. Só falta convocar o Conselho de Segurança da ONU e decretar que todo e qualquer toque entre nacionais de membros das United Nations cujo consentimento não seja atestado por certidão notarial implicará sanções contra o Estado em causa.
Encerrada a magna questão do beijo (as televisões já o recuperarão), vamos agora a duas outras: a da gestualidade genital do Senhor Rubiales e a da faena.
Quanto à primeira, o que parece ter incomodado alguns comentadores foi o facto de o dito Senhor ter garbosamente empunhado os atributos mais óbvios da sua masculinidade a escassa distância da Rainha Letícia – crime (de lesa-majestade), disse ela (ou disseram eles). Chato, como sabe que sou quem me conhece, foi aí que eu me senti vítima de agressão sexual. Coitado, que sensível que ele é! – dirão alguns dos meus leitores mais lúcidos e acostumados à feição patriarcal da nossa sociedade. Pois é verdade: reconheço que estes gestos demonstrativos dos instintos mais básicos e naturais de qualquer espécie animal me incomodam. Não é o sexo que me incomoda, por amor de Deus! Estou-me nas tintas! O que me incomoda é a exibição daquilo que está muito bem situado lá no sítio que Deus entendeu ser o mais adequado, e que o nosso Pai Adão teve de ocultar com uma folha já não sei bem de quê (os especialistas têm versões contraditórias sobre a espécie vegetal. Cá para mim, ele e a Eva devem é ter envergado uma burqa, só que a Igreja não o quer assumir, por razões óbvias). Mas, que raio! Aquele gesto boçal indicia que o Senhor Presidente lá daquela agremiação futebolística só entende a manifestação de júbilo através da impudicícia, o que é sinal de indesmentível primarismo. Ora primarismo e boçalidade não são incómodos e inconvenientes só para reis e rainhas; também o são para pessoas sensíveis, como é o meu caso e, tenho a certeza, para muitas outras pessoas padecentes da minha fragilidade estrutural.
Agora, para terminar – que isto já vai um pouco longo e (como de costume) ninguém vai ler – a faena. Pois não é no mesmo país que mantém a magnífica tradição da corrida de touros, não é neste mesmo país de agressão brutal a animais pouco menos do que indefesos, dados em espectáculo a um público que assim é exposto a uma cultura de violência e crueldade banalizadas e tornadas transponíveis para todos os sectores da vida social que, depois, se persegue um energúmeno por ter roçado os lábios pelos de uma mulher? Bem sei que todos nós já vimos equipados, à partida, com o nosso cerebrozinho reptiliano, herdado da horda primitiva, quando era preciso matar para sobreviver. Mas isso já foi há algum tempo. Hoje em dia, bastar-nos-iam coisas tão comezinhas como a competição, as leis do mercado, etc. e tal, para alimentar o tal cerebrozinho.
Na faena (não, não me refiro às trivialidades que acabei e mencionar), os terríveis quadrúpedes são bandarilhados, driblados, sangrados até às vascas do estertor, para gáudio de espectadores enlevados com a galhardia, a coragem, a virilidade de toureiros, cavaleiros e forcados. Nesse momento, o toureiro – olé! – espeta-lhe a espada no cachaço, golpe dito de graça, que redime (?) o espectáculo. Assim mostra o pecador, no confessionário, arrependimento pelos pecados já praticados, na certeza de que lá voltará, em breve.
Ao Rubiales, por um beijo nos lábios, diante de tanta gente, dois Padres-nossos, uma ave-maria, e que vá com Deus.