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Também de esquerda

Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

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Os jarretas do PCP e a difícil arte da coerência

Há uns anos, quando as votações no PCP indiciavam uma morte quotidianamente anunciada por todos os comentadores da lusa praça, o Professor Marcelo, nosso probabilíssimo próximo PR, dizia assim num dos canais de TV: "ou o PCP se moderniza, como fizeram outros partidos comunistas – o italiano, o francês,... – ou morre". Todos sabemos qual foi a sorte dos PCs que se "modernizaram": desapareceram ou tornaram-se irrelevantes. O que faz todo o sentido. Como faz sentido que o Prof. Marcelo e tantos outros os queiram ver "modernizados". "Modernizar", na acepção de toda esta gente bem intencionada significa acatar a inevitabilidade da economia de mercado, a inevitabilidade das políticas neoliberais, a inevitabilidade das desigualdades, a inevitabilidade da corrupção, ou seja, a abjuração e consequente conversão à doutrina da renúncia, e isto porque a natureza humana é o que é e não há volta a dar-lhe. Temos a desigualdade, a fraqueza e o egoísmo inscritos nos genes para todo o sempre – assim foi decretado pela santa madre Igreja, por Fukuyama e pelos senhores deste mundo.

 

É verdade que a política é a arte dos consensos, e consenso implica cedência. Mas entendamo-nos: se a cedência necessária para se chegar ao consenso é de tal envergadura que o cedente abdica daquilo que o distingue do parceiro de negociação, então não temos cedência, mas sim, genuinamente, desistência e traição. Foi esse o destino dos partidos comunistas que se "modernizaram", seria esse o destino (tão desejado) do PCP. Sim, porque um PCP tão "moderno" e cooperante com agentes políticos que promovem a privatização de sectores estratégicos da economia, que amputam as pensões aos trabalhadores reformados, que inventam propinas e portagens, que aprovam códigos laborais lesivos dos interesses legítimos de quem trabalha, que se aliam ao imperialismo euro-americano na agressão militar a países soberanos e que aceitam o pagamento ad aeternum de uma factura infame imposta ao povo pelos representantes da finança internacional seria uma cópia a papel químico do partido que, mantendo o qualificativo de socialista na sua designação, tem uma prática, no fundamental, idêntica à dos partidos de direita. Ora, sendo assim, que interesse teriam os eleitores em votar na cópia, se o original já está tão treinado no desempenho dessas políticas?

 

Altamente improvável, portanto, que os jarretas do PCP abdiquem das suas ideias anacrónicas e nada apelativas. Um mundo justo e fraterno, sem exploradores nem explorados, pautado pela repartição justa das riquezas, pelo respeito do outro e do ambiente, orientado para a cultura integral do indivíduo; um mundo em que as diferenças de género selem uma efectiva igualdade entre homens e mulheres; um mundo em que as fronteiras tendam a desaparecer, à medida que a soberania de uns deixe de ser obstáculo à soberania dos demais, um mundo assim seria, quem duvida?, um mundo infinitamente menos moderno e menos aliciante do que este nosso mundo do empreendedorismo pró-activo, da concorrência estimulante, da competição excitante, da meritocracia dos vencedores, do quadro de honra talhado à medida dos valorosos alfa. Aliás, a própria terminologia de "exploradores e explorados", de "repartição justa das riquezas", e por aí adiante, dá calafrios, de tão obsoleta. Neste nosso admirável país novo de cofres cheios e crescimento económico anémico, mas cada vez com melhores cores, o que há é empresários denodados e colaboradores atentos e venerandos que resistiram estoicamente à crise e aprenderam a não viver acima das suas possibilidades.

 

Estamos, pois, chegados a uma encruzilhada, que não é de Deus, na ocorrência. Os resultados eleitorais e a idiossincrasia política do Presidente da República deixam supor que teremos proximamente um governo PSD/CDS a necessitar do apoio parlamentar ou, pelo menos, da condescendência do PS. No discurso da noite das eleições, já António Costa iniciou a manobra de acostagem: nada de maiorias negativas com a malandragem que insiste em discutir os direitos dos credores. Ontem e hoje, as declarações vindas a lume parecem apontar no mesmo sentido, o sentido do prosseguimento da mesma política, agora miudamente aligeirada, graças ao garrote aplicado nos últimos anos. Veremos nos próximos dias ou semanas se as tonitruantes condenações da política da direita não irão desembocar em abstenções, que, de violentas, apenas terão os efeitos devastadores nas condições de vida e na confiança dos cidadãos. Aconteça o que acontecer, uma sondagem à minha consciência indica-me que o Partido Socialista ganhará as eleições em 2019. Margem de erro: 50%.