Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Também de esquerda

Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

Também de esquerda

Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

Reinar depois de morrer

Todos conhecemos a história trágica dos amores de Pedro por Inês que António Ferreira (séc. XVI) pôs em cena na Castro. O êxito da tragédia foi tal que, até hoje, muitos têm sido os dramaturgos, poetas, músicos e cineastas que aí foram colher inspiração para, em Portugal e no estrangeiro, produzirem outras peças de teatro, poemas, óperas, filmes e séries de televisão. Reinar después de morir é o título, aqui decalcado, da peça do escritor espanhol Luis Vélez de Guevara, publicada em meados do século XVII, como La reine morte é o título da peça de Henry de Montherlant publicada em meados do século XX.

 

Durante muito tempo, assistimos em Portugal a uma curiosa representação por parte do senhor PR: sempre que estavam em causa acontecimentos que pudessem afectar a credibilidade ou a actuação do (seu) governo, manifestava a sua preocupação, agia no sentido de lhe dar renovado fôlego; sempre que eclodiam sinais de que as políticas implementadas por esse (seu) mesmo governo causavam estragos sérios na vida dos cidadãos e na viabilidade do país, talvez inspirado no romance As Intermitências da Morte, de José Saramago, fazia-se de morto. Como esta última circunstância era pouco menos do que diária, o senhor PR, em quase dez anos, esteve quase sempre morto.

 

Num momento em que a tensão dramática da vida política nacional está próxima do clímax, suspeito que o PR vai dar novo fôlego, não ao romance do escritor que odiava (o pavor causado pela possibilidade de um governo alternativo insuflou-lhe irrefreável ânsia de viver), mas à desditosa história da nobre galega. Dando posse a um governo morto e, provavelmente, deixando-o no trono por alguns meses, teremos então, em Portugal, um estranhíssimo quadro institucional: na Presidência da República, um morto-vivo, isto é, alguém que morre e desmorre consoante as conveniências; no governo, um cadáver que, embora adiado, não deixará de nos incomodar com os seus eflúvios infecto-contagiosos.

 

Que tal o Dia de Finados para a tomada de posse?