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Também de esquerda

Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

Também de esquerda

Espaço destinado a reflexões (geralmente) inspiradas na actualidade e na Literatura.

Malandros dos gregos

Recebi, pela segunda ou terceira vez, um email edificante, que, por imperativo ético, transcrevo mais abaixo. De tão exacerbadamente moralizante, o texto em questão poderia ser vertido em linguagem bíblica, numa espécie de tábua dos 11 mandamentos:

1.º, não receberás pensão por morte de teu pai ou mãe funcionários públicos;

2.º, não cuidarás de arbustos em hospital público, se já houver jardineiros incumbidos de tal tarefa;

3.º, não te reformarás antes de sentires que o último sopro de vida se te esvai entre os lábios;

4.º, não aceitarás que te paguem mais do que 12 meses em cada ano civil, e assim sucessivamente

 

Este tipo de emails é muito útil para difundir a ideia de que o povo grego é o responsável pela crise de que, na verdade, os responsáveis são os dirigentes políticos corruptos, o poder económico e o poder financeiro. Não foram com certeza os trabalhadores gregos que fizeram as leis que permitiram os desaforos (alguns dos exemplos dados são-no, realmente) a que o email se refere. Em contrapartida, lá, como em Portugal, são os trabalhadores que acabam por pagar a irresponsabilidade criminosa dessa gente.


Pena que quem elabora este email não faça a destrinça entre os exemplos 4 e 6, entre outros. Porque é fácil compreender a quem é que interessa vender mercadorias a preços exorbitantes, assim como é fácil entender que vale mais receber 12 meses por ano a 1000€ por mês do que 15 meses a 500€. Quando se desdenha dos Gregos por receberem o 15.º mês, está-se a enviar aos trabalhadores portugueses a seguinte mensagem: aceitem sem protestar que vos retirem o 13.º e o 14.º meses; não queiram ser como os malandros dos Gregos que, por causa dessas regalias, estão agora no estado que sabemos. Mensagem esta que é extremamente útil… ao governo que nos vai espoliar desses direitos adquiridos cuja lógica... levou os Gregos “até à demência,  até à falta de vergonha”, como se diz no Jornal Económico.

 

Diz-se que a Grécia gasta muito dinheiro em equipamento militar, omitindo-se que a Alemanha e a França condicionaram a concessão de empréstimos à Grécia à compra de submarinos e fragatas produzidos por aquelas duas potências, actuais donas da Europa. Está-se mesmo a ver que os submarinos e as fragatas são indispensáveis para a Grécia ultrapassar a crise e que, com esta venda, a dupla franco-alemã está a dar uma valiosa ajuda aos Gregos, que não se sabem governar.

 

Também o exemplo das reformas aos 50 e 55 anos, respectivamente para mulheres e homens, veicula uma mensagem que é um óptimo adjuvante da acção dos governos europeus empenhados em destruir décadas de conquistas civilizacionais dos trabalhadores e em prolongar as carreiras contributivas até aos 67, 68 anos. Não se celebra o facto de os progressos científicos e tecnológicos permitirem hoje que se trabalhe muito menos do que no passado e que, após 35 ou mesmo 30 anos de trabalho, se usufrua de um período de vida em que é ainda possível concretizar projectos que as obrigações profissionais impediam. Não. Pelos vistos, o que é mesmo sério é trabalhar enquanto a morte não sobrevém.

 

Muito estranhamente, mas deve ter sido lapso involuntário do autor destes 11 mandamentos, não há nenhuma referência aos lucros das grandes empresas gregas, nem aos salários, pensões e mordomias dos respectivos gestores e administradores executivos e não executivos, nem às grandes fortunas. Decididamente, na Grécia, são os funcionários públicos – jardineiros, motoristas e reformados – os grandes responsáveis pela crise. Que coincidência! Em Portugal, também é assim!

 


TEXTO DO EMAIL


GRÉCIA: é difícil acreditar
Bom, acho que a Europa devia ter namorado com mais atenção antes de ter casado com a Grécia, principalmente pela fama que ela tinha.

Agora, se é para manter o casamento, tem de aguentar, pagar e impor economias. 

                            Retirado do fórum do Jornal Económico - 29/06/2011

                       Lê-se, por vezes, que os Gregos, coitadinhos, são um pobre povo periférico que está a sofrer as agruras de uma crise internacional aumentada às mãos da pérfida Merkel.

                       Já é tempo de sair desta superficialidade, de perceber que os Gregos têm culpas no cartório, que não foram sérios e que não o estão a ser.
                       Os Gregos levaram a lógica dos "direitos adquiridos" até à demência, até à falta de vergonha.
                       Contam-se factos inauditos.
                       Os exemplos desta falta de seriedade são imensos, a saber :

                       1 - Em 1930, um lago na Grécia secou, mas o Estado Social grego mantém o Instituto para a Protecção do Lago Kopais, que, embora tenha secado em 1930, ainda tem, em 2011, dezenas de funcionários dedicados à sua conservação.

                       2 - Na Grécia, as filhas solteiras dos funcionários públicos têm direito a uma pensão vitalícia, após a morte do mãe/pai-funcionário público.
                       Recebem 1000 euros mensais - para toda a vida - só pelo facto de serem filhas de funcionários públicos falecidos.
                       Há 40 mil mulheres neste registo que custam ao erário publico 550 milhões de euros por ano.
                       Depois de um ano de caos, o governo grego ainda não acabou com isto completamente.
                       O que pretende é dar este subsidio só até fazerem 18 anos...

                       3 - Num hospital público, existe um jardim com quatro (4) arbustos.
                       Ora, para cuidar desses arbustos o hospital contratou quarenta e cinco (45) jardineiros.

                       4 - Num acto de gestão muito "social" (para com o fornecedor), os hospitais gregos compram pace-makers quatrocentas vezes (400) mais caros do que aqueles que são adquiridos no SNS britânico.

                       5 - Existem seiscentas (600) profissões que podem pedir a reforma aos 50 anos (mulheres) e aos 55 (homens).
                       Porquê ?
                       Porque adquiriram estatuto de profissões de alto desgaste.
                       Dentro deste rol, temos cabeleireiras, apresentadores de TV, músicos de instrumentos de sopro ...

                       6 - Pagava-se 15º mês a toda a classe trabalhadora.

                       7 - As Pensões de Reforma de 4.500 funcionários, no montante de 16 milhões euros por ano, continuavam a ser depositadas, mesmo depois dos idosos falecerem, porque os familiares não davam baixa e não devia haver meios de se averiguar a inexactidão dessa atribuição.

                       8 - Chegava-se ao ponto de só se pagarem os prémios de alguns seguros quando fosse preciso usufruir deles !


                       9 - A Grécia é o País da União Europeia que mais gasta, em termos militares, em relação ao PIB (dados de 2009).
                       O triplo de Portugal !

                       10 - Há viaturas oficiais da administração do Estado que têm 50 condutores.
                       Cada novo nomeado para um cargo nomeia três ou quatro condutores da sua confiança, mas como não são permitidos despedimentos na função pública os anteriores vão mantendo o salário.

                       11 -   Em, 27/06 último, o Prof.Marcelo, acrescentou mais uma à lista.
                       Afirmou ele: " Na Grécia, cerca de 90% da terra não tem cadastro.
                       Agora digo eu: sabem o que significa isso?
                       Significa que os proprietários não pagam impostos.
                       Eu já tinha ouvido dizer que os gregos não pagavam impostos.
                       Ora, a grande receita do Estado provém dos impostos.
                       Isto quer dizer que o erário publico do Estado grego esta vazio, totalmente vazio.
                       Quer dizer, os milhões da UE é que serviram, durante todos estes anos, para manter o nível de vida atingido dos gregos.
                       Não admira que já tenham estoirado 115 mil milhões e agora precisem de mais 108 mil milhões.


 

A urgência da utopia

 

 

A história que a comunicação social escreve por estes dias não é nova. É velha de séculos. Patrícios, imperadores, senhores feudais e suseranos, aristocratas e príncipes da Igreja – todos se esmeraram em fazer suas as riquezas da natureza e os bens produzidos por aqueles que, de seu, apenas tinham a força de trabalho. Ora, numa altura em que todos os adjectivos disponíveis na língua (injusto, injustificável, inaceitável, escandaloso, imoral, obsceno, etc.) foram mobilizados para qualificar o regabofe das remunerações dos gestores e administradores de empresas participadas pelo Estado (em relação às privadas, os comentadores oficiais usam do maior recato e estão sempre dispostos a justificar o regabofe com o sacrossanto direito de propriedade), numa altura em que, por seu turno, os gestores, administradores e respectivos cúmplices na pilhagem da riqueza de todos nós se aprimoram na justificação do injustificável, com a lengalenga do cumprimento e ultrapassagem dos objectivos e outras de igual jaez, talvez não seja despiciendo recordar a urgência da utopia e suscitar a reflexão, tão mal-amada dos arautos do liberalismo (com ou sem “neo”), sobre a transformação da consciência e o homem novo.

 

Claro que, para todos aqueles que, directa ou indirectamente, lucram com este estado de coisas, este discurso só poderá ser apodado de irrealista, se não mesmo de saudosista e, já agora, reaccionário (!…). A História tem-nos mostrado, contudo, que há limites para a indecência, e quando esses limites são ultrapassados lá entra ela em erupção, como o vulcão islandês, toldando o céu invariavelmente azul dos senhores do mundo e cobrindo-os a eles mesmos com uma grossa camada de cinzas abrasivas. História providencial? Não. Mas a ideologia, essa, sim, quando se apodera das massas, transformando-se numa força material.

 

Quando milhões de seres humanos nossos irmãos vegetam na mais abjecta miséria, como é possível ignorá-lo e levar para casa somas fabulosas que bastariam para fazer viver dignamente centenas de homens e mulheres, se não fossem desviadas para a compra de mansões e iates, para o jogo do casino e sua variante bolsista, para o esbanjamento?

 

Desabafo de índole moralista? Desabafo de quem sabe que as consciências (à escala das nações e da Terra) não se transformarão sem que as condições materiais o determinem. De quem sabe que os adjectivos estão gastos, para qualificar os desmandos dos poderosos, mas que o povo dispõe sempre de um substantivo que não se gasta, até porque usa com parcimónia a realidade que ele nomeia. A última vez, entre nós, foi há quase trinta e seis anos.