Livro de reclamações
Encontrei a D. Lourdes, que já não via há que tempos, e lá estivemos de conversa durante uma boa hora. Não sei se a língua da D. Lourdes é bífida, mas lá que é viperina é.
Fez-me queixas. Muitas. De tudo e de todos.
Dos médicos, que lhe deixaram morrer um parente (aliás – e para ser mais fiel ao relato que me fez – que lho mataram). Por falta de cuidados, ou de atenção, ou de interesse, ou de ciência – já não sei. Uns carniceiros…
Dos juízes, que a condenaram a pagar as custas num processo que intentara contra um inquilino. Uns corruptos…
Dos funcionários das repartições públicas, que passam a vida na conversa, na galhofa e a tomar café. Uns mandriões…
Dos professores, que andam sempre de costas ao alto e não ensinam nada de jeito. Uns incompetentes…
– E o seu neto, D. Lourdes? Que tal vai ele na escola?
– Ai, não queira saber! O rapaz farta-se de estudar e só tem negativas. É cada teste mais difícil! Não sei para que é tanta exigência, Santo Deus…
– Ah sim?! Então e que curso quer ele tirar?
– Ele ainda não sabe bem, mas nós gostávamos tanto que ele fosse para Medicina ou para Direito! O meu sonho era ter um neto médico, ou advogado. Quem sabe até se juiz! Mas se ele continuar assim, não sei, não sei… Olhe, ao menos que acabe o 12.º ano. O pai sempre lhe há-de arranjar alguma coisa, aí numa repartição qualquer.