Ele há esquecimentos que nos deixam deveras penalizados pelas consequências devastadoras que podem acarretar para a história da humanidade. É o caso do que me acometeu (se de um esquecimento se pode dizer que nos acomete) há dias, aquando da cimeira da NATO. Pois não é que me fui esquecer de uma dica que poderia ter ficado contemplada na definição do novo conceito estratégico, dando à cimeira de Lisboa um carácter ainda mais histórico? Veja-se só: desde há algum tempo – e isto faz a unanimidade das opiniões de governantes, comentadores políticos, economistas de serviço aos diferentes órgãos de comunicação social, jornalistas e opinadores sem habilitação própria – os mercados assediam os países economicamente mais débeis da União Europeia, aumentando incessantemente a taxa cobrada pelos empréstimos contraídos por esses Estados. No caso particular de Portugal, não há PEC nem austeridade orçamental que nos valham; o Governo bem se esforça – coitado – com medidas de contenção, de privação e de exclusão (nos salários, nas prestações sociais, no acesso ao consumo), mas todos os dias o juro da dívida sobe. Dizem os entendidos que Portugal, a Irlanda e a Grécia são, aliás, migalhas, porque o que verdadeiramente interessa aos mercados é atingir o colosso que é a Espanha. Se a saída de um dos pequenos PIIGS, Portugal, Irlanda ou Grécia, da Zona Euro já tornaria a situação da EU periclitante, a saída do maior, a Espanha, representaria o seu fim. E é aqui que eu quero chegar.
Tendo em conta que para a Aliança Atlântica o ataque desferido contra um dos seus membros é tido como ataque contra todos e deve sofrer a necessária e justa retaliação, o ataque que os mercados estão a concretizar contra alguns países da UE, membros de pleno direito da NATO, não deveria ser rechaçado pelos demais, a começar pela superpotência? A mim, parece-me de cristalina evidência que sim. E mais: não se deveria ripostar com falinhas mansas. A destruição causada nas economias nacionais e nas condições de vida dos trabalhadores configuram um retrocesso civilizacional. Os mercados são verdadeiras armas de destruição maciça. São uma ameaça para a humanidade. Não merecem qualquer contemplação.
Considerando o que ficou exposto, lamento ter-me esquecido de sugerir aos altos dignitários da NATO que estiveram entre nós há dias que promovessem o bombardeamento maciço dos mercados e das agências de rating. Contrariamente ao que está a acontecer na ex-Jugoslávia, no Afeganistão e no Iraque, das cinzas deles nasceria um mundo novo.
O país soltou um suspiro de alívio, quando o Dr. Catroga exibiu o seu telemóvel perante os jornalistas para lhes mostrar a fotografia histórica da assinatura do acordo. Em sua casa. Sim, é que o ministro das Finanças trocou o Parlamento pela casa do antigo ministro do Dr. Cavaco. Parece que é mais aconchegada. Já combinaram que, nas rondas negociais dos PEC 4 e 5, se reunirão, respectivamente, na garagem do Dr. Pinto Balsemão (onde está a bateria) e na cave do Dr. Maldonado Gonelha (guitarra acústica).
O Dr. Catroga tartamudeou que era uma pena haver só aquela fotografia tirada com um telemóvel, mas enfim, que era histórica e ia directamente para um álbum qualquer que tem lá em casa.
Parece também que o Dr. dos Santos terá dito ou mandado dizer ao Dr. Catroga que não podia ficar insensível perante o grito lancinante do Dr. Cavaco, cujo – seguramente lembrado dos esforços insanos dos banqueiros Ricardo Salgado, Fernando Ulrich, etc., e mais lembrado ainda de ser o arrimo sem o qual a pátria estaria seguramente a atravessar uma crise gravíssima – não se conformava com a hipótese de não haver acordo, e vai daí convocou um conselho de Estado para ouvir toda a gente dizer: “Queremos que haja acordo já! E quem não salta é contra o acordo!”
Com franqueza! Não há pachorra!
Até há bem pouco tempo, tínhamos políticos que mentiam com todos os dentes, mas que o faziam com o ar mais sério deste mundo. Por assim dizer, mentiam com dignidade. Por vezes, faziam solenes comunicações televisivas ao país para dizer: “Estão a ver? Tanto me caluniaram e o processo foi arquivado!”. Ou então: “Eu não sabia, se bem que soubesse, mas não sabia oficialmente, logo não sabia, ainda que por outro lado tivesse conhecimento informal, o que é notoriamente distinto do conhecimento formal e institucional”. Todos sabíamos das manigâncias graças às quais o processo fora arquivado e percebíamos que o conhecimento tem vários níveis de concretização, mas – prontos!, como diz o outro – eles falavam convictamente, sem se rir nem corar, e isso era garantia de que conservavam um mínimo de decoro e de aparência de respeito por quem os ouvia. Porquê termos evoluído agora para este despropósito que consiste em misturar a gravidade dos assuntos de Estado com a banalidade do desabafo feito em família?
Os imperadores romanos calavam o povo esfomeado e descontente com pão e circo. Aos nossos políticos do arco do poder, basta-lhes, pelos vistos, a segunda parte da receita, seguros que estão da sua total impunidade. Mas a farsa em que a vida política doméstica (e demais) está a cair sugere, cada vez mais, que a mudança de repertório e de actores não pode estar muito longe.
Eu andava, desde há dias, amargurado. Primeiro, tinha sido a Ministra do Trabalho, ex-sindicalista da UGT, a referir-se às 18000 ofertas de trabalho por preencher nos Centros de Emprego quando, simultaneamente, temos para cima de meio milhão de desempregados (na realidade, mais de 700 mil). Depois, há dois ou três dias, uma reportagem de um canal de televisão mostrava donos de quintas - não me lembro onde - dispostos a empregar caseiros que aceitassem cultivar-lhes as propriedades, recebendo em troca habitação e boa parte das colheitas. Queixavam-se de que não aparecia ninguém interessado, apesar das dificuldades de que tanta gente se queixa.
A minha amargura ia já ao ponto de encarar a hipótese de aderir ao CDS - partido que sempre verbera a malandragem que ganha balúrdios em rendimento mínimo de inserção sem mexer numa palha - ou mesmo ao PS - partido que, segundo o Engenheiro Cravinho, recebe lições de esquerda do CDS e que, por conseguinte, me parece estar actualmente mais bem posicionado para congregar as vontades e os esforços de quantos se empenham na salvação da pátria das garras dos abutres que a levam à ruína, quais sejam os beneficiários do rendimento de inserção, do subsídio de desemprego e outros que tais.
Só que, quando a tristeza me invade, sentindo-me terminantemente incapaz de cantar o fado, opto por um motor de pesquisa de questões laborais, sociais e outras que tais, cujo se chama Avante! Ora o que o Avante! desta semana diz, citando a CGTP, é que "três quartos das ofertas existentes nos Centros de Emprego (75%) correspondem a trabalhos precários e em regime temporário», onde se incluem as tais «18 mil ofertas de trabalho», na sua maioria esmagadora publicadas por agências de trabalho temporário." E depois? - retorquir-se-á. Depois, acontece que a remuneração desses empregos é da ordem do salário mínimo (475€), quando o valor médio do subsídio de desemprego é de 520€, e, pior ainda, "são empregos precários (maioritariamente trabalhos temporários ou a termo certo, pelo que aceitá-los e perdê-los de seguida é ficar no desemprego e sem subsídio) e acarretam o «preço da reincidência», ou seja, ao aceitar-se um emprego de valor inferior ao anterior, isso terá consequências na situação de desemprego seguinte, que passa a ser subsidiada com uma percentagem menor, calculada sobre o último salário."
Resumindo: um desempregado que aceite uma destas irrecusáveis ofertas de trabalho, não morrendo do mal - apesar de tudo -, pode muito bem vir a morrer da cura. O que, aliás, parece ser o objectivo da desregulamentação (mais uma) que o Governo da Dr.ª André quer, neste domínio, promover através do PEC.
Ah! Quanto à reportagem das quintas, devo acrescentar, em abono da verdade, que, logo a seguir, o Presidente da Junta - creio - explicava que era necessário prever a atribuição de uma verba a quem se dispusesse a ir trabalhar para as tais quintas, uma vez que as colheitas não ocorrem no dia seguinte ao da sementeira e, entretanto, o caseiro e família teriam de comer.
A minha amargura lá se desvaneceu. E lá perdeu o CDS um potencial militante.