Foi há pouco mais de um mês, a 10 de Dezembro, que Bento XVI recebeu em audiência o Embaixador de Cuba junto à Santa Sé – Eduardo Delgado Bermúdez – por ocasião da apresentação da Carta Credencial.
Transcrevo três passos do discurso que o Papa pronunciou na ocasião e que se pode ler, no original, no sítio web do Vaticano
Claro que os protocolos impõem, nestas ocasiões, um conjunto de fórmulas de cortesia estereotipadas que soam sempre a falso. Mas há aqui, nos parágrafos 2 e 3, algo mais do que convenção.
“Senhor Embaixador:
1. Com muito gosto recebo-o neste acto solene no qual apresenta as Cartas que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República de Cuba perante a Santa Sé, iniciando assim a importante missão que o seu Governo lhe confiou. Agradeço-lhe as suas atentas palavras e a saudação que me transmitiu da parte do Excelentíssimo Senhor Raúl Castro Ruz, Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, a que correspondo com os meus melhores desejos para a sua alta responsabilidade.
2. […] Cuba, que continua a oferecer a numerosos países sua colaboração em áreas vitais como a alfabetização e a saúde, favorece assim a cooperação e solidariedade internacionais, sem que estas estejam subordinadas a mais interesses que a própria ajuda às populações necessitadas.
3. Tal como outros muitos países, a sua Pátria sofre também as consequências da grave crise mundial que, somada aos devastadores efeitos dos desastres naturais e do embargo económico, golpeia de maneira especial às pessoas e famílias mais pobres. Nesta complexa situação geral, aprecia-se cada vez mais a urgente necessidade de uma economia que, edificada sobre sólidas bases éticas, ponha às pessoas e seus direitos, seu bem material e espiritual, no centro de seus interesses. Com efeito, o primeiro capital que se há de salvaguardar e salvar é o homem, a pessoa na sua integridade (cf. Caritas in veritate, 25).”
Só faltou ao Papa dizer que Fidel bem mereceu a nomeação como Herói Mundial da Solidariedade pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
Há dias, um amigo meu, leitor do Público, como eu, mas também de outros títulos da imprensa dita “de referência”, dizia-me ter tomado conhecimento da nomeação de Evo Morales como “Herói Mundial da Mãe Terra” pela Assembleia Geral das Nações Unidas, não através da referida imprensa, mas sim através do Avante! O acontecimento data de 29 de Agosto p.p. e nem este amigo nem eu próprio tínhamos dele conhecimento.
Admito que algum destes órgãos de comunicação escrita ou qualquer outro – da audiovisual – tenha dado conta da ocorrência. Estávamos no fim de Agosto, tempo de férias, de praia e de pouca atenção à actualidade. Mas, se o fez, só pode ter sido escassamente e sem relevo, à socapa, numa notícia de fundo de página.
Ora este acontecimento não tem nada de irrelevante. Eis o que pude apurar pela consulta do site http://www.processocom.wordpress.com , de que cito alguns passos:
·Evo Morales recebeu a sua nomeação das próprias mãos do presidente da Assembleia Geral da ONU, o nicaraguense Miguel D’Escoto, sob a forma de uma medalha e de um pergaminho, cujo texto define o primeiro indígena a governar a Bolívia como “o máximo expoente e paradigma de amor à Mãe Terra”.
·“A ideia de conceder a distinção a Morales, revelou D’Escoto, partiu de uma iniciativa do rei Abdullah da Arábia Saudita. Após escutar um discurso do boliviano em defesa da Mãe Terra, o líder saudita sugeriu convocar uma reunião da Assembleia Geral da ONU para discutir maneiras de resgatar conceitos ancestrais a fim de combater a mudança climática.”
·“Até hoje, somente dois outros líderes haviam sido designados “heróis mundiais” pela ONU. São eles o ex-presidente cubano Fidel Castro, “Herói Mundial da Solidariedade”, e o falecido ex-presidente da Tanzânia Julius Nyerere, nomeado “Herói Mundial da Justiça Social”.
·Na cerimónia realizada em La Paz, Miguel D’Escoto disse: “O que queremos fazer é apresentar ao mundo estas três pessoas e dizer que elas encarnam as virtudes e valores dignos de serem copiados por todos”.
·“O presidente da Assembleia Geral da ONU lembrou que Morales “foi quem mais ajudou as Nações Unidas a declararem o 22 de Abril como Dia Mundial da Mãe Terra”.
Pois bem, numa época em que o debate sobre o aquecimento global – agora baptizado de “alterações climáticas” – é omnipresente nos media e numa ocasião recente em que os líderes mundiais discutiam em Copenhaga as medidas a implementar para as combater, com o insucesso conhecido, nem uma só vez dei por uma referência à nomeação com que Evo Morales foi distinguido.
Por que será? – perguntamo-nos. Não faço a mínima ideia. Mas quer-me parecer que se, em vez de Morales, o nomeado fosse, por exemplo, Obama, Sarkozy, Uribe, ou Netanyahu, toda a imprensa embandeirava em arco.
Já agora – alguém sabia da nomeação de Fidel como Herói Mundial da Solidariedade? E de Julius Nyerere como Herói Mundial da Justiça Social? Eu também não. Decididamente, somos muitos a andar mal informados, maugrado a pletora de informação nesta sociedade da comunicação.
E, por outro lado, por que será que os nomeados são estes e não os outros que referi atrás?
Tantas perguntas, com, talvez, duas respostas possíveis. Uma é a que D’Escoto nos dá: “ [estes homens] encarnam as virtudes e valores dignos de serem copiados por todos”.
Claro que é sempre possível dar a outra resposta: a Assembleia Geral é maioritariamente composta por pequenos países do mundo subdesenvolvido, pelo que as suas deliberações são pouco fiáveis.
Escolham – que eu já escolhi há muito e não vejo motivos para mudar de ideias.