Um espectro assombra a Europa - o espectro do Brexit
Ao projecto de fundação da União Europeia, desde os balbuceios da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 1951, presidiu o objectivo da burguesia europeia não só de procurar resolver as suas contradições pela via do diálogo e evitando a continuação da política pelos meios a que se refere Clausewitz, mas também o de travar a atracção exercida pelo socialismo sobre as massas trabalhadoras e a intelectualidade e o consequente avanço do socialismo na Europa.
A ideia fez a sua caminhada. Monnet, Schumann e Adenauer estariam hoje provavelmente muito satisfeitos com o que se lhes ofereceria ver, mas a sua felicidade ver-se-ia toldada pelo comportamento desviante da pérfida Álbion, que dá um péssimo exemplo aos parceiros que sempre manteve à distância.
Se a assinatura e entrada em vigor do Tratado de Maastricht, em 1992/1993, fora já precedida de um referendo em que a maioria dos eleitores se haviam pronunciado pelo não, o que “obrigara” à sua repetição, indispensável para o prosseguimento do processo, agora, a azáfama que impele os dirigentes da Europa para negociações e renegociações tão depressa definitivamente encerradas como logo a seguir reabertas (ou anunciadas como susceptíveis de o serem) e o tremendismo com que se descreve a saída do Reino Unido sem acordo parece indiciar que a burguesia europeia se prepara para reeditar a receita de Maastricht: “devolver a voz” aos súbditos de Sua Majestade, na esperança de que, à segunda, eles se mostrem mais compreensivos para com os desígnios da classe dominante. É que o resultado do referendo já realizado parece ter-se ficado a dever a uma lamentável falta de informação, sobretudo de eleitores mais idosos e indiferenciados, que agências de (des)informação estrangeira levaram à certa, logo, eleitores de segunda. Ao proceder desta forma, os dirigentes da Europa que tanto puxam pelos seus galões democráticos denunciam o seu parentesco ideológico com aqueles seus antepassados que, por um belo dia de Julho de há quase duzentos e trinta anos, viram uma bastilha tomada de assalto e lá tiveram de conceder ao Terceiro Estado o direito de se imiscuir nos negócios da nação. Mais dia, menos dia, lá terão os sans-culottes de envergar o barrete frígio. Menos anacronicamente: lá terão de tomar de assalto o Palácio de Inverno. Menos ainda: lá terão de reinventar um mundo sem fronteiras e onde liberdade, igualdade e fraternidade sejam mais do que votos piedosos de uns quantos.